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Número 25 - Diciembre 2009

DESAFIOS DA FORMAÇÃO INTERDISCIPLINAR 1

Dra. Vera Maria Antonieta Tordino Brandão
veratordino@hotmail.com

Núcleo de Estudos e Pesquisas do Envelhecimento (NEPE) do Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo / Grupo de Estudos e Pesquisas em Interdisciplinaridade (GEPI) do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação - Currículo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Brasil.

 

Resumo

Abordar o tema da Formação Interdisciplinar, envolvendo as diversas áreas disciplinares específicas, é sempre um desafio. Mas, realizar os estudos teóricos, a prática docente e a pesquisa, mantendo uma atitude interdisciplinar, é um desafio ainda maior.

O termo interdisciplinaridade tem sido muito utilizado teoricamente, e também nomeando diferentes práticas, especialmente a partir dos anos 1970 no Brasil. A nosso ver, a utilização sem critérios claros deste termo, e suas aplicações, trouxe um desgaste de seu sentido.

Verificamos que, em muitos casos, a Interdisciplinaridade é vista com certa desconfiança, quando aparece como "solução para todos os problemas" ou, se os objetivos não são claros, o termo surge como um "manto mágico " encobrindo as dificuldades, falhas ou incoerências teóricas e práticas.

Neste artigo indagamos: O que é Interdisciplinaridade? - seus objetivos, seus princípios, suas características culturais; - Quais as possibilidades que aponta, no encontro entre teorias e práticas, com ética e critérios bem estabelecidos, envolvendo diferentes áreas disciplinares?

A resposta a estas questões pressupõe uma atitude, simultaneamente, de respeito e abertura ante a diversidade e ambigüidade de seres-saberes-fazeres, buscando construir uma rede de ações mais integradas e íntegras, nas e entre as diferentes áreas do saber, abordando aqui as interdisciplinas da área gerontológica.

A Interdisciplinaridade pressupõe um espaço de encontro entre humanos, e nosso objetivo é mostrar as possibilidades do encontro interdisciplinar, apontado para a construção de saberes religados, criativos e renovadores entre diferentes disciplinas e suas práticas, e que se integram na formação psicogerontológica.

Palavras-chave: Formação Continuada; Interdisciplinaridade; Gerontologia.

 

O termo desafio está sempre presente quando refletimos sobre a formação e a prática Interdisciplinar, pois ele traduz o exercício permanente de integração entre seres-saberes-fazeres, com as subjetividades inerentes a cada uma destas três instâncias.

O desafio é definido e utilizado no sentido de tarefa difícil de ser superada e executada, ou seja, o de realizar o "encontro" das interfaces dos diferentes saberes – as disciplinas; mediados pelos sujeitos – os profissionais; que buscam produzir um "saber" – adequado ao desafio, que subsidie as muitas práticas - em um trabalho integrado, criativo, renovador e ético – interdisciplinar, na área gerontológica.

O primeiro elemento para o enfrentamento e superação do desafio do encontro e formação disciplinar e, posteriormente, interdisciplinar é a palavra. As palavras que constituem a língua e a linguagem nos distinguem dos outros seres vivos, fazendo de nós humanos; torna possível o compartilhar de informações, pois pressupõe o encontro eu-outro, concretizando a interação social, que constrói e constitui as culturas, em sentido amplo.

Bakhtin afirma que "nossa identidade forja-se no intercâmbio da linguagem com outros, à medida que começamos a nos ver através dos olhos dos outros". (apud. Blumenschein, 2007, p.61)

A identidade é fruto desta relação complexa que pressupõe, não só a linguagem, mas os outros símbolos de comunicação, que se encontram e entrelaçam no imaginário das culturas que partilhamos. Quem - de onde, para quem, com que finalidade – fala? Quem - de onde, quem, com que finalidade - escuta? O que buscam narrador e ouvinte nas palavras e para além delas, nos silêncios, no olhar, nos gestos, no corpo?

Meu corpo - meu presente - de onde partimos para nos comunicar, para onde voltamos com as experiências, e, novamente, para o encontro. (Bergson, 1990)

Maturana afirma que a existência humana acontece no espaço relacional do conversar, pois para ele a linguagem é um fenômeno biológico relacional. Esta interação, denominada por ele de linguajear, é base da nossa humanidade, fruto da convivência e que aparece entrelaçado com o emocionar. Conversar, trocar experiências, formando redes de conversações, numa conversação em processo, que dá sentido á vida e constrói a cultura. (2004:31-33)

È o que buscam narrador e ouvinte e, nesta perspectiva, consideramos que toda a formação, formal e informal, ao longo da trajetória humana passa pelas palavras / línguas / linguagens, e se consolida porque reverbera em nós – com seus diferentes sentidos-significados – formando uma rede de conversações / relações - nos constituindo sujeitos das culturas, simultaneamente, seus construtores e constructos.

Falar em culturas é pensar em semelhanças e diferenças, pois cada cultura tem um modo único de apropriar-se das palavras, traduzindo conceitos e conhecimentos. E, aqui, aparece novamente o princípio de respeito à diversidade cultural, que implica a manutenção das diferenças, valorizando a diversidade e a complementaridade de palavras-olhares contra a unificação do saber, no sentido do totalitarismo de um pensamento único.

Ao abordar os significados culturais devemos considerar a interdisciplinaridade em dupla perspectiva, quanto às suas finalidades que, aparentemente contraditórias, não devem ser vistas como excludentes. O conceito difere quando analisado na perspectiva da influência européia – enfoques sociais, epistemológicos e ideológicos - e à anglo-saxônica – evidentemente mais pragmática (Lenoir, 2001).

Estas duas perspectivas estão ligadas a lógicas diferentes, próprias a cada uma dessas culturas, e às concepções educacionais a elas correspondentes, pois na cultura européia, especialmente na de língua francesa, o foco é o saber-saber, com destaque para a problematização do saber e o questionamento do sentido que precede a ação.

Na cultura anglo-saxônica, especialmente nos Estados Unidos, a questão central é sua funcionalidade com ênfase na perspectiva instrumental: o saber-fazer ou saber-agir.

Lenoir afirma ter encontrado no Brasil uma outra lógica, na qual a interdisciplinaridade está centrada no ser humano - uma abordagem fenomenológica - segundo pesquisas de Ivani Fazenda, na qual se destacam: a intencionalidade da ação; a necessidade de autoconhecimento; do reconhecimento da intersubjetividade e do diálogo - o saber-ser -, entendidos como um processo de descoberta de si.

Reafirma Lenoir que as diferentes abordagens sobre a interdisciplinaridade são consideradas complementares e enriquecedoras para o estudo e pesquisa, e alerta para a necessidade da manutenção indissociável das dimensões: do sentido, da funcionalidade e da intencionalidade metodológica, buscando articular as práticas e as teorias, considerando, sempre, que procedem de lógicas distintas. (idem)

O encontro e diálogo que buscamos entre as disciplinas – seres e saberes – pressupõem esta "inscrição" na constituição da nossa humanidade e, nela nossas identidades culturais - pessoais e coletivas, únicas e múltiplas - expressas nas palavras faladas e escritas, nos olhares, gestos, silêncios.

E aqui o termo cultura, usualmente utilizado em seu sentido generalizante, adquire feições individuais, subjetivas, pois consideramos que a "construímos", assim como nossa identidade, a partir dos modos próprios de apreensão de todos os saberes formais, informais e experiências vividas. Mesmo vivendo num tempo e cultura específicos, e sendo fios da mesma trama, metaforicamente falando, somos cores diferentes que se entrelaçam formando um tecido - um "saber" - simultaneamente, individual e coletivo.

Diálogo – criação coletiva – interação entre eus e outros.

Com as identidades construídas e expressas nos diálogos, por meio de leituras objetivas e subjetivas das realidades, nos apresentamos e nos (re) conhecemos como membros de uma comunidade lingüística, tecendo uma rede de conversações e de (re) significados – palavras sobre palavras.

Para realizar o encontro entre as disciplinas – áreas do saber – que são as bases da interdisciplinaridade, devemos ter a consciência desse processo, e de que no saber disciplinar cada disciplina fica restrita a seu próprio conteúdo, com palavras e linguagens que lhe são próprias.

Esclarecemos que a origem desta discussão está ligada ao progresso das diferentes ciências disciplinares, geradoras do crescente desenvolvimento humano, e que levou, gradualmente, a uma hiperespecialização disciplinar. Verificou-s e, no entanto, que elas não ofereciam respostas ás complexidades inerentes à vida humana, em seus múltiplos aspectos.

Os estudiosos do tema realizaram inúmeras tentativas de encontro entre as diferentes disciplinas buscando integração e respostas, mas observaram que as disciplinas agrupadas – como a multidisciplinaridade ou pluridisciplinaridade - geravam apenas o estudo temático de uma disciplina, por várias disciplinas ao mesmo tempo, mas não sua inter-relação. (Nicolescu, 2000).

Surge desta busca a noção de interdisciplinaridade. Mas o que é e como se define?

Diferentes autores discutem este tema buscando uma resposta a esta questão. Para Nicolescu a interdisciplinaridade poderia ultrapassar a formalidade disciplinar e propiciar "a transferência de métodos de uma disciplina para outra" (idem). Japiassu (1995) considera a interdisciplinaridade um método de pesquisa e de ensino por meio do qual é possível realizar uma interação entre duas ou mais disciplinas desde a "simples comunicação das idéias até a integração mútua dos conceitos, da epistemologia, da terminologia, da metodologia, dos procedimentos, dos dados e da organização da pesquisa" (apud Sommerman, 2006:33).

Neste artigo, destacamos a interdisciplinaridade na perspectiva de Fazenda como atitude e desafio na articulação entre diferentes saberes-fazeres e suas práticas. Atitude de abertura, respeito e espera ante o saber do outro, apontando para perspectivas ampliadas de conhecimento e ação, unindo o saber-saber, o saber-fazer e o saber-ser. (idem, 2001a/b)

Esta atitude interdisciplinar frente aos saberes disciplinares contextualizando-os e encarando-os como desafio, procurando articulá-los com criatividade, compreendê-los em rede, como fios de uma mesma trama, é a que tem guiado nossas tentativas de colaborar com a construção de um saber gerontológico ampliado, que possa servir de parâmetro para ações diferenciadas na área.

Fazenda estabelece alguns princípios como guias da interdisciplinaridade: espera, respeito, desapego, humildade, coerência e ousadia. E perguntamos: como exercitar a interdisciplinaridade nas ações práticas?

Para exercitar esses princípios devemos considerar: o tempo de espera - na construção do próprio conhecimento e do outro, ligado à coerência da busca; o desapego de nossos saberes disciplinares de base; o respeito ao próprio trabalho e ao de outros; a humildade de compartilhar e colocar-se, assim como ao trabalho, em processo de constante revisão e (auto) análise crítica, contextualizada nos tempos e espaços das culturas - ante tantas palavras que, a cada pronunciamento, (re) constroem o discurso em seus sentidos-significados -, na ousadia das propostas e a coragem e pioneirismo da luta.

Mesmo com sólida base teórica disciplinar, a interdisciplinaridade nos desafia na ação, nas práticas.

Vivemos em um tempo acelerado de "mudança e desordem", e nele buscamos construir nossas práticas indagando: como construir um saber compartilhado interdisciplinar, um processo que exige estudo, tempo longo de reflexão, flexibilidade e criatividade?

Como incorporar as experiências de vida-trabalho, valorizando as trajetórias dos sujeitos, na sociedade do consumo e descarte? Como construir um saber gerontológico - que privilegie, preserve, valorize e articule as experiências dos profissionais, e seus lugares como sujeitos históricos, e as dos idosos, dando-lhes voz - desvinculado dos pré-conceitos e pré-julgamentos que muitas vezes permeiam as discussões sobre o envelhecimento e longevidade humanos? Como trabalhar em equipe seguindo estes princípios?

Nosso ponto de partida, como pesquisadora, é a disciplinaridade da antropologia – que busca o conhecimento dos grupos e suas realidades a partir de olhares internos – "insiders" - desvelando as vozes de fundo que caracterizam as diferentes culturas.

Ouvindo as múltiplas vozes, que nos falam do interior dos diferentes grupos humanos, unimos profissionais e idosos – teoria e prática - no caminho instigante da construção de um saber gerontológico interdisciplinar.

E esclarecemos que utilizamos o termo gerontologia - do grego gero = velho, mais o sufixo logos/logia = estudo - em seu sentido amplo buscando compreender o processo de envelhecimento em suas dimensões biológicas, psíquicas, filosóficas, sociais, psicológicas, históricas, e políticas, considerando os diferentes modos de envelhecer e viver a velhice, fazendo a interface entre o externo – tempo e lugar – e o interno – a subjetividade do sujeito.

Os idosos trazem a experiência do vivido - o olhar e o discurso interno - o processo de envelhecimento, com suas dificuldades e desejos de superação.

Consideramos a escuta do ser que envelhece fundamental para construção de um saber gerontológico com os idosos, e não apenas sobre eles. Como nos alertam as pesquisadoras francesas Argoud e Puijalon (1999) ouvindo-os a compreensão que teremos sobre eles e o envelhecimento não será jamais o mesmo, pois essa realidade deve ser dita na primeira pessoa, expressando os diferentes modos de envelhecer.

As autoras consideram que muitos trabalhos e pesquisas na área gerontológica falam sobre os idosos, considerado "o outro" - objeto de estudos - perspectiva que os coloca ás margens da ação, tornando-os apenas sujeitos passivos às ações políticas, dos profissionais e / ou pesquisadores.

Neste sentido, nossas pesquisas indicam, em concordância com as autoras, que ouvindo os idosos, dando-lhes voz, considerando-os seres desejantes, respeitando as individualidades e subjetividades, valorizando suas experiências estabelecemos o conceito de velhos e velhices, em seu sentido plural, ampliando as possibilidades de estudos, pesquisas e atuação na área. Essa atitude, frente ao indivíduo que envelhece, também fortalece seu empoderamento – poder sobre si – e, conseqüentemente, o sentido de pertencimento e a auto-estima, perspectiva que de ve guiar as práticas, e a construção de um saber renovado e integrado.

Os profissionais da área gerontológica trazem os desafios teóricos da articulação, necessária, entre seus saberes disciplinares e as dificuldades concretas dos trabalhos em equipe, ante a complexidade do processo de envelhecimento em suas múltiplas perspectivas.

O saber-ser, evidenciado nos trabalhos de Fazenda, encontra no pensamento de Josso (2006) uma articulação com o projeto de si – uma (re) invenção de si – como uma conquista progressiva da autonomia da ação, do pensamento, das escolhas e modos de vida.

O desafio dessas construções de sentidos - entre a teoria disciplinar e na atitude da prática interdisciplinar - exige: tempo de reflexão sobre as teorias disciplinares envolvidas; observação e análise do ambiente sócio-cultural no qual estas se inserem - e as linguagens que embasam as práticas profissionais; espaços de encontros e trocas das experiências, entre profissionais e entre estes e os idosos, no qual as dúvidas e dificuldades cotidianas, permeada pelas subjetividades, possam ter ressonância, acolhimento e partilha.

A atitude crítica, frente à complexidade dessas buscas e elaboração de sentidos na Formação Continuada deve ser permanente, pois o exercício de construção de um saber gerontológico interdisciplinar, co-produzido por todos os envolvidos e seus desdobramentos, carrega em si a complexidade dos seres-saberes-fazeres, e com ela todas as ambigüidades das interpretações subjetivas.

A resposta ao desafio é o exercício permanente – em processo - da interdisciplinaridade como atitude, simultaneamente, reflexiva e crítica, frente aos saberes disciplinares, nas diferentes áreas do conhecimento e das culturas, articulando-os e ampliando as possibilidades de docência, pesquisa e atuação profissional.

As mudanças, desordens, e incertezas, são inerentes à natureza e às sociedades, e não se constituem impedimentos para ações integradoras, são antes seus fatores constitutivos e essa busca de superação é o desafio da ação que funda as culturas.

 

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