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Número Aniversario (10 años!!) - Noviembre 2008

Recordar, o valor vital das reminiscências no processo de envelhecimento

Sueli Souza dos Santos, Sergio Antonio Carlos
areiapa@terra.com.br / sacarlos@ufrgs.br

Este trabalho é um fragmento de uma investigação sobre algumas reminiscências de três mulheres brasileiras com mais de 70 anos. Usando uma abordagem qualitativa, foram realizadas entrevistas individuais, semi-estruturadas. As participantes foram informadas que a investigação tinha como objetivo estudar, a partir de suas memórias, como as reminiscências de suas vidas amorosas seguiam influenciando as suas relações atuais. Foi informado ainda que as entrevistas seriam gravadas em áudio, transcritas, podendo ser utilizadas em publicação de trabalhos científicos.

Para o presente artigo apresentamos alguns recortes enunciativos de três entrevistas, tendo como pontos de análise das seguintes questões:

As entrevistadas contam sua história desde a adolescência, os primeiros interesses por rapazes. O namoro na época da juventude era muito vigiado, havendo um ritual para aproximação onde a permissão dos pais era fundamental. As entrevistadas eram de família de classe média. Estudar até o ensino fundamental era importante, pois, somente após completá-los estariam liberadas para noivar e casar. Todas elas casaram virgem e com o primeiro namorado. Tiveram muitos filhos e se dedicavam exclusivamente às atividades do lar, não trabalhando fora de casa. Os maridos eram provedores e senhores de toda consideração e privilégios em casa. Atualmente estas mulheres vivem e moram sozinhas, duas são viúvas e uma das entrevistadas é separada.

Conclui-se que a história de tutela dos pais e depois dos maridos ainda mantém, em suas reminiscências, o ideal de ter como companheiro um homem protetor, que cuide da relação, do bem estar da mulher. Mesmo que algumas tenham tentado outras relações, após a viuvez ou a separação, a primeira experiência amorosa e sexual continua como o modelo ideal, incomparável.

Palavras chave: sexualidade; amor; reminiscência; linguagem; discurso.

 

Recordar, repetir, reviver

A questão da sexualidade na velhice é um tema que costuma ser tratado do ponto de vista da funcionalidade do aparelho reprodutor e genital desde a perspectiva clínica funcional e/ou patológica. É inegável que o passar da idade resulta em modificações do corpo humano, com seu conseqüente desgaste e atrofias. No entanto, a sexualidade e o amor, do ponto de vista psicológico, devem ser tomado desde a perspectiva bio-psico-social, portanto para além da visão puramente biológica ou fisiológico-funcional.

O que se observa é que as pesquisas que se desenvolvem sobre a velhice tem sido pautadas por preocupações com relação às questões sociais e de saúde, voltadas aos interesses de políticas públicas, que envolvem previdência e ação social.

Por outro lado, apesar da grande ênfase dada às perdas vitais, a velhice também passa a ganhar um estatuto de mercado promissor, quer da indústria farmacêutica, de planos de saúde privados, de lazer, enfim de consumo.

Queremos aqui nos reportar à sexualidade do ponto de vista da psicossexualidade. A possibilidade de recontar suas experiência, suas histórias, evocar lembranças da juventude, pode evidenciar o quanto emoções que se pensavam esquecidas se reativam.

Não se pode negar que as reminiscências sobre a vida amorosa e sobre as experiências sexuais, vividas na juventude são fontes de prazer para quem conta sua história, revitalizando, revalidando o sentido de sua própria história.

Para Freud (1914), a recordação de lembranças passadas tem um caráter de repetição. Ele diz:

"[. . .] podemos dizer que o paciente não recorda coisa alguma do que esqueceu e reprimiu, mas expressa-o pela atuação [. . .] ele o reproduz não como lembrança, mas como ação; repete-o, sem, naturalmente, saber que o está repetindo." (FREUD. 1914, p. 165)

A sexualidade está presente em todas as fazes do desenvolvimento do ser humano, o que muda são suas formas de expressão por estarem relacionadas as suas possibilidades, não tanto física, mas principalmente psíquicas de vivê-la quer na infância, na adolescência na maturidade ou na velhice.

Podemos pensar que as rememorações, como repetição de situações passadas, podem ter este caráter de revivido em outro momento da vida.

Por outro lado, segundo Freud (1915), no inconsciente não há representação da morte, então cada um está convencido da imortalidade. As lembranças do passado vivido, muitas vezes, pode ter a função de enfrentamento com a limitação física, ou as limitações da vida.

Ao pensarmos sobre a velhice, temos que considerar que ela é a verdade da condição humana. Há vida na velhice, como em qualquer outro período da existência. A perda narcísica que se instala pelas limitações físicas da velhice, não significa a perda da condição humana.

Para a criança, seguindo mais uma vez a Freud (1915), o ódio é anterior ao amor e esse sentimento leva a conservação do eu. É por não se ver igual ao outro, numa relação de espelhamento imaginário que advém a consciência do não eu, do diferente, o que provoca o ódio como defesa contra a não identidade ao objeto.

A conseqüência disso é a consciência de um eu distinto que para sobreviver, para ser amado, tem que se por em relação com o outro. É a única forma de sobreviver. Este ódio resulta uma proteção do eu contra a morte e assume um caráter erótico, torna-se o suporte de continuidade de uma relação de amor. É este jogo de desejo em relação ao outro que o homem jogará toda a vida. O sujeito em sua demanda em relação ao outro tentará reconstituir-se. O outro será a garantia, o avalista, que permitirá ao sujeito nomear-se.

Algumas articulações entre Análise de Discurso 3 e Psicanálise

A construção metodológica deste artigo foi fundamentada na teoria da Análise de Discurso (AD), criada a partir da década de 60 por Michel Pêcheux, como um marco da mudança tanto em relação à análise de conteúdo, como em relação à lingüística até então desenvolvida. A contribuição epistemológica da AD, segundo Pêcheux (1998), reside na articulação de três regiões, quais sejam: o materialismo histórico, a lingüística e a teoria do discurso. A psicanálise é introduzida como uma teoria da subjetividade que atravessa os três campos.

A partir dos anos 80, Pêcheux discute a possibilidade de uma articulação com a teoria enunciativa de Authier-Revuz, com vistas à construção de um procedimento de análise de discurso, tomando as formas do dizer, lingüisticamente marcadas, e a dimensão do já-dito, noção marcada em superfície, constitutiva do sentido. A partir daí é possível a tematização das formas lingüístico-discursivas do discurso-outro; discurso de um outro. Conceito esse que será fundamental para a AD a partir de então.

Ao afirmar que as palavras são as palavras do Outro, significa que o discurso não se reduz a um dizer explícito. O Outro fala através do falante e o dizer não corresponde ao enunciado de quem fala. A ruptura do discurso denota a heterogeneidade discursiva.

Quanto à psicanálise, ela contribui para o estabelecimento de uma teoria do sujeito que pode situá-lo fora da dimensão cartesiana ou idealista, parecendo deste modo apropriado como solução aos impasses da AD, no que se refere à questão do sujeito. Tomando como fundamentação esses dois campos, a AD e a psicanálise, este artigo se ocupa de trabalhar os efeitos de sentido produzidos pelas formações discursivas manifestadas pelas entrevistadas, com relação ao tema da sexualidade e amor na velhice.

 

Procedimento para coleta de dados

Foi feito um primeiro contato telefônico para marcar a entrevista individual, o dia e o local foram definidos de acordo com os interesses das entrevistadas. Informamos os objetivos da entrevista como instrumento de pesquisa, que a mesma deveria ser gravada em áudio e transcrita para fins de análise. As entrevistadas assinaram um termo de consentimento. A duração da entrevista foi em torno de 60 minutos.

Depois da transcrição, o corpus foi constituído a partir de alguns seguimentos de discursos onde se evid enciavam referencias a:

Análise do corpus - os efeitos de sentidos discursivos

Apresentamos aqui como as entrevistadas 4 vão significando suas primeiras experiências amorosas e como se enlaçam às histórias de suas experiências sexuais.

1ª. Margarida (76 anos): Conta que sempre foi muito namoradeira, desde moça. Desde o tempo de escola, só não deixava chegar perto. Naquele tempo, ela diz, "era assim". As pessoas olhavam, olhavam e não deixavam chegar perto. Depois que namorou o rapaz, que mais tarde veio a ser meu marido, não foi mais namoradeira. O seu marido foi seu primeiro namorado de verdade, que ela gostou, que amou, e por quem se sentiu correspondida. Conta que viveu com ele uma vida muito boa. Teve muitos filhos, um atrás do outro, uma vida muito trabalhosa, mas muito gratificante no sentido de emoção, de amor, de correspondência de carinho. Tudo foi super-bem até a ruptura do casamento. Ficaram juntos entre namoro, noivado e casamento, 25 anos. E então, depois desses 25 anos de vida em comum foi assim, ‘a morte pra mim’. A morte de ilusão, de tudo, inclusive foi parar num hospital psiquiátrico. Ficou cinco anos sem se achar, sem rumo na vida.

Depois deste rompimento, voltou a estudar, foi trabalhar fora de casa, reiniciou vida social indo a festas, tendo namorados.

Diz que agora, não é bonita, nem mocinha, nem maravilhosa, nada disso. Mas se dá muito valor. Teve um namorado há pouco tempo e notava, por exemplo, que ele sempre dizia que a amava. Ela, no entanto, nunca disse que o amava. Ele reclamava, ao que ela respondia: "Eu gosto de ti, gosto da tua companhia, mas eu não te amo. Eu não vou mentir pra ti isso aí."

Hortênsia (80 anos): Começou a namorar já com 16 anos, mas nunca teve um namoro firme. O primeiro namorado mais firme, foi o que veio a tornar-se seu marido. Isso acontece já aos 21 anos - mais ou menos - e também namoraram pouco tempo. Começaram a namorar em novembro, em fevereiro já estavam casados. Nesta época estavam chamando recrutas para a guerra da Coréia. Hortência conta: "Então a minha sogra morria de medo que ele fosse; e os casados não iriam. Então a minha sogra se apressou, queria porque queria que o filho casasse. Então eu acho que ele aproveitou também o embalo que a sogra queria tanto, e minha mãe não se opôs, assim que casamos. Foi uma coisa rápida. Muito, muito rápida."

Afirma que foi muito feliz no casamento. Adorava o meu marido; não sabe se ele a adorava tanto quanto ela o adorava. Tiveram muitas dificuldades porque vieram os filhos, a família era muito grande. Não foi um mar de rosas. Mas Hortência afirma que: "[. . .] eu com o marido assim, sempre me senti muito, muito, muito, muito feliz."

Violeta (75 anos): Ela afirma que hoje o namoro é muito diferente de seu tempo de jovem. Começou a namorar muito cedo, namoro de mandar bilhetinhos. Estava no último ano do ginásio quando começou a flertar com um rapaz que morava perto de sua casa e que veio a ser seu marido. O encontro se deu em uma reunião dançante. Ela diz: "eu sempre gostei muito de dançar não é ... então eu o conheci, a agente começou a namoro ali. Mas nestas reuniões sempre acompanhada da minha irmã mais velha não é, eu tinha 15 anos ... Quando eu conheci ele, que estava estudando agronomia, nós tínhamos uma diferença de 8 anos. Começaram a namorar, ele pediu pra namorá-la, porque tinha que pedir, a mãe dela não gostou muito. Naquela época, ela dizia que "eu estudando, se começasse a namorar não ia estudar porque ia atrapalhar’. Começaram a namorar, depois ele pediu pra entrar, porque namoravam no portão. "E aí ele entrou, mas era um controle tremendo. Aí ele se formou, nós noivamos. Mal ele se formou agente casou". Mas sempre apaixonada, afirma que sempre teve uma paixão pelo seu marido. Ele faleceu, quando ela tinha 42anos. Diz que passou um bocado, mas sempre diz quando lhe perguntam, "eu casei apaixonada". Ele faleceu, e ela apaixonada sempre. Ele era um homem inteligente, ele era romântico. Gostavam muito de cinema, ele gostava muito de ópera,... por isso que ela diz que era um homem sensível. Quando iam ao cinema, por exemplo, vinham para casa e sentavam para ver televisão. Não iam direto para a cama. "Aí agente começava a namorar ali na frente da televisão compreende? Era aquele abraço, vinha um vermute, aí depois íamos pro quarto". Considera que era um entendimento muito grande, sempre cultivado.

As três entrevistadas falam de um inicio de vida amorosa, que estava condicionada ao controle familiar. Casaram com o primeiro namorado, onde a relação deveria seguir um ritual progressivo de aproximação em que a permissão dos pais para namorar e depois casar foi determinante.

No caso de Hortência inclusive, a decisão do casamento foi precipitada pela decisão da sogra, que tinha medo de ver o filho ser convocado para a guerra.

As entrevistadas ainda apresentam em comum afirmar que foram muito felizes e serem muito apaixonadas pelos maridos. Como se esse fosse o comportamento e sentimento ideal esperado de uma moça.

Hortência: "[. . .] Então a minha sogra se apressou, queria porque queria que o filho casasse. Então eu acho que ele aproveitou também o embalo que a sogra queria tanto, e minha mãe não se opôs, assim que casamos. Foi uma coisa rápida. Muito, muito rápida."

Do ponto de vista da AD, podemos pensar no assujeitamento do discurso-outro. As três mulheres contam uma história de obediência aos padrões familiares e sociais. Mesmo que em suas experiência, falem de uma determinação de comportamento estabelecido pelo social de ‘seu tempo’. Um ideal a ser cumprido.

As mulheres estudavam pouco, depois de concluída esta etapa vinha o casamento, procriar, cuidar da casa como destino. Os maridos eram idealizados, segundo elas, dedicados, apaixonados até o final da vida ou até a separação. Há uma recorrência da afirmação de felicidade, embora tenham tido uma única experiência de namoro que resultou no casamento.

Para Hortência, ela foi muito feliz no casamento. Adorava o marido; não sabe se ele a adorava tanto quanto ela o adorava. Tiveram muitas dificuldades porque vieram os filhos, a família era muito grande. Não foi um mar de rosas. Mas Hortência continua afirma que: "[. . .] eu com o marido assim, sempre me senti muito, muito, muito, muito feliz."

A determinação social a que as três entrevistadas estavam submetidas sofre um abalo, quer pela morte do marido, quer pelo abandono. Interessante notar que a situação de abandono produz um desgarramento psíquico, no caso de Margarida que se sente enlouquecer, perde as referências quando o marido sai de casa, fica doente, não encontra mais sentido na vida, como se fosse a morte.

Margarida diz: "[. . .] E então, depois desses 25 anos de vida em comum foi assim, ‘a morte pra mim’. A morte de ilusão, de tudo, inclusive fui parar num hospital psiquiátrico. Ficou cinco anos sem me achar, sem rumo na vida".

A heterogeneidade do discurso, tomando o conceito de Authier-Revuz (1990, p.26), s eguindo o ponto de vista freudo-lacaniano, apresenta a dupla concepção da fala heterogênea e o sujeito dividido. A mesma palavra que carrega em si uma intenção consciente, que possibilita a comunicação efetiva, em geral erra o alvo, falha, se equivoca.

Para esta autora, o discurso nunca é individual, pois implica em cada enunciado, nas palavras, emergindo duas vozes, a do eu e a do outro. Essa concepção envolve o reconhecimento da intersubjetividade que funda a linguagem, ou seja, a forma verbal é dada a partir do ponto de vista do outro. Aponta para a não coincidência do dizer entre as palavras e as coisas, posto que as três entrevistadas falam de suas reminiscência como se tivessem feito escolhas puramente pessoais, no que diz respeito a decisão de namorar, casar ter filhos, cuidar da casa. Seus discursos revelam, no entanto, a passagem pela aprovação, ou pressão, ou permissão dos pais. Além disso, parece que também está determinado que devem sentir-se felizes no casamento. Há um ideal romântico a ser perseguido.

Isso se revela quando Margarida diz que agora, não é bonita, nem mocinha, nem maravilhosa, nada disso. Mas se dá muito valor. Como se questão da juventude, beleza ainda fossem os elementos possíveis de conquista, como se isso tivesse valor. Em contrapartida, diz que ela própria se dá valor, mesmo que este discurso seja contraditório com a perda dos atributos, como mocidade e beleza que sabe não ter mais.

Do ponto de vista da AD, segundo Pêcheux em Semântica e Discurso (1998), a linguagem não é transparente, apresentando sempre uma opacidade em que o assujeitameto ao Outro e uma aproximação entre formação discursiva e formação ideológica estão implicadas. Ao afirmar que as palavras são as palavras do Outro, significa que o discurso não se reduz a um dizer explícito. A heterogeneidade discursiva significa que todo discurso é atravessado pelo discurso do outro, ou seja, por outros discursos. Esses discursos mantêm entre si relações de contradição, de dominação de confronto, da aliança o de complementação.

Quem sabe por este atravessamento do discurso ideológico, na tentativa de preservar o ideal romântico do tempo da juventude, que a rememoração dos amores da juventude ainda são valores incontestáveis. Não é possível mais se apaixonar como antigamente com o primeiro amor, o que faz Margarida dizer em relação a um namorado recente:

Margarida: "[. . .] há pouco tempo notava, por exemplo, que ele sempre dizia que me amava." Ela, no entanto, nunca disse que o amava. Ele reclamava, ao que ela respondia: "Eu gosto de ti, gosto da tua companhia, mas eu não te amo. Eu não vou mentir pra ti isso aí."

Margarida segue namorando, mas não se apaixona mais, ou não pode mais dizer isso para ninguém, não pode mentir sobre isso. Parece que deve seguir sendo fiel ao primeiro encantamento.

As reminiscências parecem trazer de volta muitas situações de dificuldades, sofrimento, mesmo assim há muita força nestas memórias, a tal ponto que tudo é suplantado pelos bons momentos vividos. O romance ideal.

Violeta: "Aí ele faleceu, eu tinha 42 anos quando ele faleceu. Aí passei um bocado, mas eu sempre digo quando me perguntam, eu casei apaixonada. Ele faleceu, e eu apaixonada sempre. Ele era um homem inteligente, ele era romântico."

Para concluir

A experiência de contar a alguém um pouco de sua história amorosa, traz a tona o força vital, libidinal destas mulheres. Elas vão tecendo os fios de suas primeiras emoções e experiência sexuais que passaram pelos rituais, com aproximações contidas, proibidas, vigiadas, colorindo fantasias românticas de sua época de juventude. Seguiam as determinações históricas dos valores familiares e sociais de seu tempo, sem saber que o faziam. "Era assim naquele tempo".

Agora com o distanciamento da história da juventude, conseguem falar de tempos difíceis, de maridos rigorosos e autoritários, de submissão e trabalho, mesmo assim, ainda é preservado o sentimento de amor, primeiro amor, revalidando o vivido. Aquele foi o amor. Agora não se pode admitir dizer que ama alguém.

Mesmo que o marido tenha sido severo, a lembrança do romantismo na intimidade é guardada com cuidado.

Conclui-se que a história de tutela dos pais e depois dos maridos ainda mantém, em suas reminiscências, o ideal de ter como companheiro um homem protetor, que cuide da relação, do bem estar da mulher. Mesmo que algumas tenham tentado outras relações, após a viuvez ou a separação, a primeira experiência amorosa e sexual continua como o modelo ideal, incomparável.

Na velhice, a sexualidade segue tendo um espaço de importância fundamental, embora suas formas de expressão possam transformar-se em ternura, em outras formas de contato, de toques, na preservação das lembranças do que foi vivido. Sonhar com o amor não tem limite de idade. As funções orgânicas e vitais perdidas encontram formas compensatórias de realização, e sempre implica a relação como um outro.

Para a Psicanálise, o espaço onde o sujeito avança faz parte do real, sendo que a realidade está constituída de três dimensões, o real, o imaginário e o simbólico. Nesse sentido, os estudos de Fraiman (1994) nos apontam a importância da sexualidade e o afeto na velhice e nos diz que: "A vida é vivida individualmente. Mas a história só se faz pelo coletivo." (p.18)

Ao trabalhar as histórias das experiências sexuais dos idosos, Fraiman (1995) revela, a riqueza da sexualidade que toma muitas formas de expressão e busca de prazer, e acredita que a capacidade de viver o amor não se esgota com a idade, mas se aperfeiçoa, apresenta em seus relatos de idosos que vão dos 60 aos 90 anos, as formas criativas que cada um encontrou de redirecionar a atividade sexual para uma valorização física, artística, havendo um re-investimento libidinal, promovendo a auto- estima. O sexo e o amor na velhice muda seu caráter explosivo e exuberante da juventude, tomando a forma de ternura, do carinho, do toque sutil da valorização da sensibilidade dos pequenos gestos, respeitando as diferenças de suas manifestações no homem e na mulher.

Não se pode afirmar, que na velhice se perca a capacidade de amar, ou ter uma vida sexual, como se isso fosse prerrogativa dos jovens, como se o interesse sexual ou apaixonar-se causasse um certo horror, algo aberrante que não possa ser aceito.

Resgatar o direito de uma vida sexual dos velhos implica em poder pensar o amor em suas formas de transformação libidinal, ou seja, outras formas de amor que passam pela ternura, os contatos físicos que erogenizam o corpo como o olhar, o toque, a voz, como redescoberta das primeiras formas de amor do ser humano. A capacidade de amar não tem limite cronológico. O limite está no psicológico, no preconceito e intolerância social, não no real do corpo, ou na capacidade de sonhar, na capacidade de simbolizar ou, na capacidade de viver a vida.

Notas

3 Análise de Discurso, a partir de agora será designada como AD.

4 Os nomes dados as entrevistadas são fictícios. Para cada uma foi dado um nome de flor como forma de identificar cada história.

BIBLIOGRAFIA

Authier-Revuz, J (1990): Palavras Incertas: as não coincidências do dizer. Campinas: Editora da UNICAMP.

Fraiman, A (1994): Sexo e Afeto na Terceira Idade. São Paulo: Editora Gente.

Freud, S (1914-69): Recordar, repetir, elaborar. Rio de Janeiro: Standard Brasileira, v. XII.

Pêcheux, M (1998): Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas: Editora da UNICAMP.

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