O
Imaginario do envelhecer
desaprendendo mitos, preconceitos e ideas erróneas
Trabajo
monográfico para el
Curso Virtual Educación para el
Envejecimiento
Antonia
María de Oliveira Sena de Santos
nine@mma.com.br
RESUMO: Este trabalho apresenta um resumo da bibliografia estudada nas aulas do CVEPE e outras consultadas sobre os preconceitos acerca do envelhecimento, e aborda como o método Biodanza utilizado nas atividades desenvolvidas com grupos da 3a Idade contribui para diminuir ou eliminar esses preconceitos, através das vivências que fortalecem a auto estima e a identidade dos participantes. Relata também a experiência desenvolvida num grupo de idosos que participam do Curso de Extensão do Departamento de Ciências Humanas, Campus V da Universidade Estadual da Bahia - Brasil, na cidade de Santo Antonio de Jesus, onde foi utilizado este método.
Unitermos: Imaginário, preconceitos, Biodanza, vivência biocêntrica, envelhecer.
1. INTRODUÇÃO
Um conceito mais recente que define a velhice como uma fase do processo evolutivo, vem substituindo na maioria das sociedades o antigo significado do envelhecer, conceito que trazia toda uma carga de negatividade. A velhice não se constituía objeto de preocupação social, antes, os idosos eram tratados com atitudes filantrópicas e benevolentes com o intento de ocultar os valores negativos que a sociedade que se modernizava lhe impunha. Considerava-se o idoso como alguém que existiu no passado, que realizou o seu percurso psico social e espera o momento fatídico para sair da cena do mundo ( Birman,1995).
Atualmente, continua o mesmo autor, a velhice passa a ser objeto de cuidado e atenção especiais, que eram certamente inexistentes nos últimos dois séculos. A mudança que vem se observando nas relações que a sociedade estabelece com a velhice, não se verifica apenas pela mudança de valores, mas pelo aumento da esperança de vida devido ao progresso da medicina que com todo o seu aparato tecnológico enfrenta as doenças crônicas favorecendo a longevidade e contribuindo dessa forma como um dos fatores para o aumento significativo da população idosa, principalmente nos paises jovens.
O aumento da faixa populacional considerada idosa tem exigido das sociedades e do poder público um novo e sensível olhar sob a forma de investimento em políticas sociais que contemplem o idoso em suas necessidades bio psico sociais.
O Brasil, tido até bem pouco tempo como um país de jovens, vê a modificação da pirâmide etária com um crescimento de 70% na população idosa definida aqui segundo critérios da OMS como a população de 60 anos ou mais, contra 12 % no crescimento na população com menos de 20 anos no período de 1980 a 1999, conforme dados da FIBGE As projeções indicam que num período de 70 anos (1950 a 2020) enquanto a população brasileira estará crescendo cinco vezes, o grupo de idosos estará aumentando 16 vezes (Veras, 2001).
A sociedade e o estado não podem mais ignorar o idoso, que se tornou ator na cena política e social, redefinindo imagens estereotipadas nas quais a velhice aparece associada à solidão, doença, viuvez e morte, enfatizando essa fase de vida como uma condição desfavorável, muitas vezes indesejada (Lima, 2001).
As primeiras iniciativas de atividades voltadas para os idosos no Brasil datam do início dos anos sessenta tendo como pioneiros a LBA (Legião Brasileira de Assistência) e o SESC (Serviço Social do Comércio). Os primeiros trabalhos destinavam-se aos idosos não institucionalizados. Buscava -se reverter a situação de marginalidade através de atividades de lazer na tentativa de compensar a ausência de papéis e a solidão imposta pela sociedade contemporânea (Lima, 2001).
No Brasil, contamos com o decreto 1948/96, que regulamenta a lei 884/ 94 estabelecendo a Política Nacional do Idoso. Embora estas medidas legais representem um ganho para a sociedade, ainda existe um longo caminho a percorrer até que se inaugure o tempo em que o cumprimento dessas leis represente o atendimento às reais necessidades da população idosa, melhorando assim a sua qualidade de vida.
Outra iniciativa que aqui, como em outros paises vem se fomentando são as Universidades Abertas da Terceira Idade instituições públicas e privadas que têm trazido para dentro de seus espaços um número cada vez maior de idosos que buscam retomar seu lugar na sociedade, participando como sujeitos de saber e não apenas como objetos de estudo.
É nesse contexto que vem sendo desenvolvido no Departamento de Ciências Humanas, Campus V da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) no município de Santo Antonio de Jesus, o Curso de Extensão denominado "Arte e Manha de Viver na 3a Idade", que atende a pessoas da comunidade circunvizinha. Iniciado em 1999, oferecia inicialmente atividade física e de lazer durante o semestre letivo. A partir do 2o semestre de 2000 e durante o ano de 2001 buscou-se dar orientação para a saúde, realizando nesses encontros sessões regulares de Biodanza.1
O grupo constitui- se de vinte mulheres com idade variando entre 52 e 71 anos, aposentadas, residentes em bairros próximos ao Campus mas oriundas, em sua maioria, da zona rural. Delas, dez vivem com o cônjuge, seis são solteiras e quatro viúvas. Podemos considerar bom o estado de saúde dado o grau de autonomia que apresentam e as queixas e tratamentos referidos se relacionarem a diabetes, hipertensão, reumatismo e problemas na coluna, todos sob controle.
Os encontros acontecem semanalmente no Campus V da Universidade, com duração de duas horas, tendo como atividade principal uma aula de Biodanza que inicia com um momento verbal onde as participantes podem falar sobre assuntos do seu interesse ou situações vivenciadas no seu cotidiano e, no segundo momento, a prática dos exercícios. Nesse espaço é que refletimos o conteúdo das aulas do CVEPE abordamos os preconceitos, surgindo daí o interesse em escrever sobre este tema. Esse trabalho oferece às participantes informações sobre o processo do envelhecer visando dentre outros, os seguintes objetivos:
1.Diminuir os preconceitos sobre o envelhecimento; 2.Promover a saúde; 3.Restabelecer os vínculos familiares e sociais; 4.Fortalecer a identidade e a auto estima.
2. MITOS PRECONCEITOS E IDÉIAS ERRÔNEAS
Acompanhamos a todo o momento os avanços da medicina anunciando novas descobertas para o diagnóstico e tratamento das doenças o que tem contribuído para aumentar a esperança de vida da população idosa. Importantes mudanças vêm acontecendo também, nas relações da sociedade com a velhice e é notório o interesse dos estudiosos da Geriatria e Gerontologia, que muito têm contribuído para esclarecer conceitos, divulgar conhecimentos que fundamentam a assistência à população idosa em bases científicas. Apesar desse novo horizonte o imaginário coletivo sobre a velhice ainda é carregado de preconceitos , mitos e idéias errôneas
Segundo Viguera, (2001) "imaginario social o imaginario colectivo es un conjunto de creencias, conceptos, ideas verdaderas o no que determina actitudes, modas, a la sociedad. O imaginario no es fijo ni igual para todas las sociedades".
Fornós (2001) define o preconceito como uma atitude negativa, sem fundamento que se dirige geralmente a grupos. É na infância que vamos formando os preconceitos e ao longo do tempo os incorporamos, provocando uma resposta emocional direta. Salvarezza, citado por Fornós, diz que no caso da velhice, quando esta é associada ao estereótipo de enfermidade e declínio mental, inconscientemente rejeitamos tanto o processo de envelhecimento como as pessoas que envelhecem. Este pensamento é reforçado por Viguera (2001) que diz:
"Estos prejuícios incorporados a la mentalidad del adulto mayor funcionam determinando atitudes negativas frente ao proceso de envelhecer".
Nesse sentido Beauvoir (1990 p.10) também diz que o indivíduo é condicionado pela atitude prática e ideológica da sociedade em relação a ele. Estes preconceitos estão de tal forma impressos nas pessoas que podemos perceber até mesmo na palavra "desfavorável" usada por Lansag, Gerontologista americano, ao definir o envelhecer como "um processo progressivo de mudança desfavorável , geralmente ligado à passagem do tempo, tornando-se aparente depois da maturidade e desembocando invariavelmente na morte". "O que significa desfavorável?" Questiona a autora citada..
Para Viguera, estas idéias não surgem por acaso, mas são produtos do tipo de sociedade a que pertencem. Uma sociedade onde a mudança dos valores acontece num ritmo acelerado, a ciência e a tecnologia avançam, valorizando o novo, a produtividade, gera uma crise que atinge de forma direta e perversa a pessoa que envelhece, uma vez que esta vê-se colocada à margem do processo produtivo, experimentando muitas vezes sentimentos de inferioridade e inutilidade como nos mostra Beauvoir (1990, p.350):
"A atitude dos idosos depende de sua opinião geral com relação à velhice. Eles sabem que os velhos são olhados como uma espécie inferior. Toda uma tradição carregou essa palavra de um sentido pejorativo ela soa como um insulto. Assim, quando ouvimos nos chamarem de velhas, reagimos com cólera ".
Todas essas idéias vão constituindo o imaginário social do envelhecer evidenciado, por exemplo, no conformismo do trabalhador à época da aposentadoria e relatado por Ecléa Bosi (1987 ) em seu livro Memória e Sociedade Lembranças de Velhos.
"É assim mesmo que deve acontecer, a gente perde a serventia, dá lugar aos moços.. . Para que serve um velho, só para dar trabalho..."
Isto se torna ainda mais grave quando a pessoa perdeu a referência da família como refere Beauvoir (1990, p.260): "quando o adulto não tem ligação pessoal com os velhos, estes suscitam nele um desprezo tingido de repulsa" . É o que Salvareza chama de "viejismo":
Transportando - me à infância, lembro-me que muitas vezes ouvi os adultos recorrerem à imagem do velho como uma figura feia e temerosa, utilizando-a para amedrontar as crianças, e fazerem-nas calar-se ou comportarem-se dentro das normas estabelecidas.
Vários são os preconceitos, mitos e idéias e rrôneas sobre o envelhecer que somados às mudanças, perdas e incertezas que acompanham esta etapa da vida, transformam-se em verdadeiros "Fantasmas do Envelhecer". Isso dificulta a relação das pessoas com essa nova imagem, levando-as a rejeitar o envelhecimento como um "processo dinâmico, gradual, natural e inevitável, como podemos notar nas palavras de M.M.O, 59 anos, participante do grupo:
- "O envelhecer acho normal, se bem que se pudesse teria sempre 18 anos".
- "Não quero imaginar a velhice, pois quero permanecer sempre jovem" .
Viguera (2001) relaciona alguns desses preconceitos, faz uma abordagem sobre sua origem, e como fazer frente aos mesmos através da construção de um novo modelo de envelhecer que substitua o modelo tradicional para o qual o envelhecimento é perda e deterioração. Para isso, propõe a Educação para o Envelhecimento, como um valioso recurso para ajudar a pessoa a modificar essas idéias. Estes são os preconceitos a que se refere a autora:
- Que a passividade é característica do envelhecimento
- Que o envelhecimento é uma enfermidade
- Que o idoso já não tem capacidade para aprender
- Que não é saudável recordar o passado
- Que a pessoa que envelhece fica assexuada
- O "viejismo" que são atitudes de rejeição
A idéia de passividade se respalda nos valores das sociedades cujo sistema de produção valoriza a máquina, a competição, o consumo, e o descartável em detrimento da experiência acumulada, e da sabedoria. Esses valores fizeram surgir em 1961 a teoria da Desvinculação2 Esperava-se que a pessoa idosa se recolhesse ao repouso do seu lar, inativa, tendo a solidão como companheira. Em contraposição surgiram as teorias do Apego e da Atividade que servem de base para a Educação para o Envelhecimento.
Atividade, diz Viguera, significa, distintas ações, tarefas, intercâmbios de aprendizagem, recreação, de ensino, de uso do tempo livre em favor de si mesmo ou solidário com outros.
Outro preconceito que dificulta ao idoso lidar com o processo de envelhecimento é a associação de velhice à enfermidade. David Slavsky, no seminário Corpo e Envelhecimento (2001) refere que a idéia da idade avançada associada a achaques, declinação física, sofrimento, foi habitualmente indicada como própria dessa idade. Essa associação origina-se talvez na desinformação sobre as modificações estruturais e fisiológicas que ocorrem ao longo desse processo e as limitações que advêm dele. Nesse sentido, é importante lembrar que o envelhecimento é um processo individual, único, influenciado pela história bio psico social do indivíduo. Viguera (2001) nos chama atenção sobre o conceito de "diferente" o que facilitará a compreensão desse processo e a visualização das potencialidades do idoso. Diz ela:
"No se é enfermo porque se tiene más o menos canas, o necessite usar lentes para leer, o no pueda correr o nadar como antes o no pueda hacer el amor todos los dias o no pueda procrear, o se jubilò del trabajo".
Viguera ressalta ainda que são poucas as enfermidades próprias do envelhecer, a pessoa que envelhece adoece como qualquer outro. O que se recomenda é uma maior atenção à sua saúde física e psíquica e o estímulo ao auto-cuidado uma vez que suas defesas estão diminuídas, ocorrendo maior exposição às doenças.
A idéia de enfermidade incorporada ao imaginário da pessoa que envelhece, leva-a a perceber-se doente e incapaz, a resignar-se com este estado, negando-se a aceitar os limites naturais e resistindo assim a descobrir formas mais saudáveis de conviver com eles.
Na medida em que se oferece ao idoso e à sociedade em geral informações sobre o processo natural do envelhecimento e alternativas para um envelhecer ativo, esse imaginário vai se modificando. Essa é uma tarefa que deve desafiar toda essa população de idosos que ingressa nesse novo século.
Baseada nas modificações intelectuais que podem ocorrer com o envelhecimento principalmente em relação à memória, tem-se a falsa idéia de que há uma completa deterioração das funções cognitivas, perdendo assim, o idoso a sua capacidade de aprendizagem. Este preconceito tem suas raízes também numa visão ainda hoje deturpada da educação que se destina aos jovens com o objetivo de prepará los para competir no mercado de trabalho, isto é, para produzir. Por isso, parece tão estranho a figura do idoso ocupando um lugar nas salas de aula, nas oficinas, disputando vagas nas universidades e até mesmo no mercado de trabalho.
É certo, conforme mostram os estudos sobre este aspecto do envelhecimento, que a capacidade de aprender na idade mais avançada não é a mesma que na juventude, porém mais uma vez é preciso retomar o conceito de "diferente" ao qual nos referimos antes para aceitar a idéia de que os idosos continuam aprendendo de outra forma, com outro ritmo, com outros interesses. Rolando Toro (1991) faz referência à existência de gens tardios que se expressam depois de certa idade. Isto sugere a importância de possibilitar a expressão de potencialidades em idades avançadas da vida.
O preconceito em relação à sexualidade é um dos que mais pesam sobre a pessoa que envelhece. Esteves (2001) destaca dois fatores que influenciam estas crenças:
- a dificuldade em distinguir sexualidade e genitalidade
- que a sexualidade é própria para a juventude
Uma das formas de reconhecimento do corpo relaciona-se com as primeiras experiências de contato do bebê com a mãe o que influencia na aceitação da imagem corporal e na percepção do corpo como fonte de prazer. Ao envelhecer a imagem desse corpo decepciona na medida em que supõe uma desilusão no outro. Isto provoca um trauma que é agravado ainda mais pela cultura de valorização da estética e da imagem física como se vê atualmente. Daí a importância de resgatar outros "códigos perceptivos e sensoriais" como o código tátil e do contato com o próprio corpo e o do semelhante (Silavsky, 2001).A imagem corporal desfavorável de si influencia a atividade sexual e como nos mostra Beuavoir,
"Uma outra barreira é a pressão da opinião". A pessoa idosa dobra-se ao ideal convencional que lhe é proposto. Teme o escândalo, ou simplesmente o ridículo. Torna-se escrava do "o que vão dizer". Interioriza as obrigações de decência e de castidade impostas pela sociedade. Seus próprios desejos a envergonham, e ela os nega "... (Beauvoir, 1990, p.393)".
Sabemos que as modificações fisiológicas que ocorrem com o envelhecimento contribuem para a diminuição das respostas aos estímulos como a ereção do pênis, a lubrificação da vagina e outras. O desejo, a capacidade de excitar-se e alcançar o orgasmo mantêm-se, por toda a vida numa pessoa saudável, orgânica e psicologicamente.
A mulher que sempre foi vítima dos mitos e idéias errôneas sobre a menstruação, a gravidez e o parto e cuja educação rígida a impediu de viver o prazer, vê -se nessa fase da vida, impedida, pela família e pela sociedade, de exercer o direito à sua sexualidade. Torna-se assexuada. Embora se saiba que "biologicamente a sexualidade da mulher é menos atingida pela velhice do que a do homem" (Beauvoir, 1990, p.425), para elas, chegar à menopausa significa não só parar de reproduzir, mas, abdicar de toda possibilidade de prazer.
Quanto ao homem, a quem foi dado todo o direito ao sexo, envelhecer significa diminuir seu poder e isto torna-se mais penoso para ele do que para a mulher. Para ambos, sob pena de serem vistos como anormais, desejo, prazer, atividade sexual, estão proibidos negando a sexualidade como uma função humana que está presente em todas as fases do desenvolvimento com características diferentes em cada uma delas.
A aceitação das mudanças e a busca de informações sobre o envelhecimento ajudam a diminuir a influência negativa dos preconceitos sobre a sexualidade uma vez que estes têm mais poder de interferência do que as modificações decorrentes da idade.
"Viejismo" são atitudes negativas que a sociedade tem em relação aos idosos, significando rejeição, marginalização, medo, agressão e discriminação. Ocorre com certa frequência e relaciona-se às identificações que fazemos com os nossos velhos desde a infância
Para muitas pessoas o fato de o idoso evocar suas lembranças é sinal de que suas funções intelectuais estão entrando em deterioração. Essa idéia, diz Viguera (2001) citando L Gastrón, foi veiculada pela Psicologia Clínica que considerava este processo como regressivo relacionando o pejorativamente à deterioração intelectual, constituindo-se como uma das idéias errôneas que passou a fazer parte do imaginário social.
"A reminiscência permite recordar pensando ou relatando fatos, atos ou vivências do passado. É uma atividade psíquica universal, necessária na velhice porque favorece a integração do passado ao presente, reforçando a identidade. Propicia exercitar a memória, resignificar a vida e ajuda a manter a memória coletiva". Portanto,"recordar é um processo vital, normal e saudável do envelhecer" diz Viguera.
Isto foi constatado quando em uma atividade foi proposto a pequenos grupos que escolhessem as músicas, brincadeiras e danças populares que recordassem, e fizessem uma apresentação no dia do Folclore. Longe de acessarem a nostalgia, as brincadeiras, a dança e a alegria, foram a tônica dessa atividade desde os ensaios, confirmando o que foi dito acima por Viguera.
3. DESAPRENDENDO OS PRECONCEITOS
O método Biodanza constitui-se, já há algum tempo, no Brasil e nos vários países por onde tem se expandido, num potente recurso no trabalho com grupos da 3a Idade. Isso é confirmado por N.F.S, 61 anos e relatado por Andréa Camerino em sua monografia "A Auto Estima na Velhice".
"Uma das que me botou lá em cima, muito lá em cima mesmo, me tirou do meu marasmo, eu fiquei até simpática depois disso, foi a Biodanza".
A Biodanza é um sistema de desenvolvimento humano orientado para o estudo e o fortalecimento da identidade através da expressão dos potenciais humanos, utilizando a música, e exercícios de comunicação em grupo (Góis). Estes elementos induzem vivências integradoras que facilitam a expressão de cinco aspectos da identidade humana classificados por Toro como Linhas de Vivência: Vitalidade, Criatividade, Afetividade, Sexualidade e Transcendência.
Rolando Toro (1991) seu criador, assim a define: " Biodanza é um sistema de integração afetiva, renovação orgânica e reaprendizagem das funções originárias de vida".
Este sistema pauta-se em vários paradigmas ou princípios dos quais o mais importante é o Princípio Biocêntrico que coloca a "vida como princípio e direito a ser defendido com primazia em relação a todos os demais princípios e direitos. A defesa incondicional da vida em todas as suas formas de manifestação" (Toro,1991). Dispõe de um modelo teórico que facilita a compreensão do sistema e a sua forma de atuação.
Um conceito relevante em Biodanza é o de identidade pois, toda a sua prática reside no estímulo de vivências que a fortaleçam. Identidade é o que registramos como imagem de nós mesmos e vai se formando em uma inter-relação entre a construção interna do psiquismo e a realidade externa, cultural, social e econômica. A auto-estima é a parte afetiva da identidade e relaciona-se ao que somos e principalmente, à representação que cada pessoa tem de si mesmo.(Viguera, 2001). A compreensão desses conceitos é importante para quem trabalha com idosos pois as mudanças nesta etapa da vida reforçadas pelos preconceitos levam a uma crise de identidade.
Nesse sentido colaboram as atividades que favorecem para "desaprender os preconceitos", afirma Viguera.(2001). Aí, além de informações sobre os mitos e as idéias errôneas instaladas no imaginário social, incluem-se as atividades que estimulam vivências como a vivência biocêntrica3 que "gera vinculação afetiva, nutre e alimenta a vida imediatamente" (Góis).
Ao longo da vida os potenciais genéticos são influenciados pelo que Toro (1991) chama de eco fatores positivos ou negativos representados por estímulos do meio ou auto gerados que determinam o seu desenvolvimento ou a sua repressão. Voltando à temática dos preconceitos que pesam sobre o envelhecimento, estes podem funcionar como eco fatores negativos reprimindo a expressão dos potenciais e contribuindo assim para o enfraquecimento da identidade dos idosos. A Biodanza funciona então como um "bombardeio de eco fatores positivos" na medida em que o participante encontra no grupo um espaço acolhedor, uma escuta amorosa e estímulo p ara que possa expressar-se por inteiro.
Segundo Toro (1998) as Linhas de Vivências provêm das "Protovivências"4 que são as primeiras sensações orgânicas ou experiências vividas pela criança nos primeiros meses de vida.
A Vitalidade é o potencial de equilíbrio orgânico, homeostase, harmonia biológica e ímpeto vital. A pessoa vital experimenta sentimentos de alegria interior, coragem, ímpeto, motivação para viver e dispõe de energia para a ação.
Atualmente com o conhecimento que a ciência tem colocado à nossa disposição sobre a inter relação do Sistema Nervoso, Endócrino e Imunológico (Psiconeuroimunologia) podemos compreender a sua influência em relação ao processo saúde - doença principalmente para o idoso que já tem as suas defesas diminuídas. Por outro lado leva-nos a entender também a capacidade de auto regulação do organismo. Para Toro, esta capacidade está ligada ao psiquismo celular, uma espécie de inteligência das células a que ele denomina de Inconsciente Vital5 .
Um dos mecanismos biológicos da Biodanza é o estímulo à secreção de hormônios e neuro transmissores mediante a indução de emoções específicas (coragem, alegria, ímpeto, erotismo) que atuam como eco fatores permitindo a expressão de potencialidades humanas geralmente inibidas. Esse processo levará ao equilíbrio das funções orgânicas interferindo na melhoria das condições de saúde como se vê a seguir nos relatos das integrantes do grupo:
- "A saúde melhorou, conheci mais pessoas e mudou a rotina". T.S.O, 58 anos
- " Estou me sentindo mais jovem, mais disposta e muito feliz". M.M.S.S, 59 anos
- "Comecei a caminhar, me animei para viver uma vida melhor". G.P.S. 61 anos
A Criatividade é o elemento de renovação que deve aplicar-se à própria vida. Os exercícios de Criatividade estimulam impulsos inatos de inovação devolvendo à pessoa sua capacidade de expressão mais profunda. Devem desenvolver também a criatividade existencial capaz de modificar o estilo de vida. O desejo de seguir aprendendo pode ser despertado quando o idoso é estimulado para isso. É o que ficou evidenciado no interesse das alunas ao participarem das oficinas de confecção de cartões de Natal e da montagem do Presépio com figuras confeccionadas por elas em argila ou mesmo nos seus comentários durante os encontros:
- "Aprender é bom". M. M.O.59 anos
- "Gostaria de aprender a tocar violão porque acho bonito e gosto". M.M.A.67 anos.
- "Quero aprender a ler". J. S. S.C, 67 anos.
A Sexualidade É a capacidade de fecundação, de sentir desejo e prazer. Os exercícios de contato e acariciamento, as danças de expressão da feminilidade e masculinidade estimulam a função sexual despertando este instinto reprimido pela cultura, e reforçando a identidade sexual. Percebemos a força do preconceito em relação à sexualidade no receio das participantes em se colocarem durante as discussões sobre esse tema. Por isso seguimos o princípio da progressividade proposto pela Biodanza e esperamos que aos poucos possamos explorar mais esse tema.
A Afetividade é o amor indiscriminado pelos seres humanos e pela vida em geral. As situações de encontro e os rituais de vínculo, do contato e do olhar que acontecem numa sessão de Biodanza despertam potenciais afetivos de amor, amizade, altruísmo e solidariedade. O grupo é o útero que acolhe afetivamente, fortalecendo a auto - estima como se percebe nas palavras das participantes:
- "Fiquei mais feliz...me senti importante e fiz novas amigas." M.N.S.P 62 anos
- "Diminuiu minha timidez". M. A. M. 67 anos
A Transcendência é a capacidade para ir além do ego. Implica na expansão da consciência e o êxtase místico. Os exercícios e as vivências de contato com a natureza possibilitam um estado de harmonia e plenitude permitindo ao participante experimentar a sensação de fazer parte do Todo.
Para concluir reafirmamos a importância da atividade na educação para o envelhecimento, mas como diz Viguera: "Não qualquer atividade, mas uma que leve não só ao divertimento mas à expansão da personalidade toda, ao enriquecimento, a sentir que se vai incorporando uma melhor qualidade de vida". Pois, como sabemos, não basta acrescentar anos à vida mas vida aos anos. E, nesse caso, a Biodanza tem muito a contribuir.
Notas
1 Método vivencial criado pelo antropólogo chileno Rolando Toro Araneda
2 Teoria formulada em 1961 pelos americanos .....que prega o desapego dos vínculos, a impossibilidade de aprender por parte da pessoa idosa e a auto exclusão. Era considerada uma conduta adaptativa, universal e necessária.
3 Vivência Biocêntrica é a vivência ontológica, evolutiva, integradora do ser em construção. É a intensa sensação de estar vivo aqui e agora.
4A Vitalidade se desenvolve a partir da protovivência de movimento, das funções de atividade e repouso. A Sexualidade vincula-se à protovivência de contato e às primeiras sensações de prazer provindas das carícias e do ato de mamar. A Criatividade está ligada às funções expressivas, às mudanças de posição, à linguagem. A Afetividade está vinculada à protovivência de nutrição, segurança e calor amoroso. A Transcendência relaciona se com a sensação de plenitude e harmonia com o meio ambiente.
5 Existe uma forma de psiquismo dos órgãos, tecidos e células que obedece a um "sentido" global de auto conservação.
Referências Bibliográficas:
1. BEAUVOIR, Simone de. A Velhice. Ed. Nova Fronteira, 4a Impressão, Rio de Janeiro.1990.
2. BIRMAN, Joel. Futuro de Todos Nós; Temporalidade, Memória e 3a Idade na Psicanálise.In: Veras, RP. (Org) Terceira Idade:Um Envelhecimento Digno para o Cidadão do Futuro. 3a Edição, 1995.
3. BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos. Ed. da Universidade de São Paulo, 2a Edição, 1987.
4. FORNÓS Esteve, M. El Estereotipo Social de la Vejez. I Congresso Virtual de Psiquiatria, 26/12/2001.
5 GÓIS, Cezar Wagner de L. Vivência - Caminho à Identida de. Ed. Viver. Ce, Brasil, s.d.
6. LIMA, Marcelo Alves A gestão da Experiência de Envelhecer em um Programa para a Terceira Idade: A UnATI /UERJ. In: Veras, RP. (org) Velhice numa Perspectiva de Futuro Saudável UNATI/ UERJ, Rio de Janeiro, 2001.
7. SLAVSKY, David. Corpo y Envejecimiento. Programa de Seminários por Internet. Temas de Psicogerontologia No 3.
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9.______ Modelo Teórico - Inconsciente Vital. Cursos de Actualização de Didactas. Chile,1998.
10.VERAS, Renato Peixoto. Desafios e Conquistas Advindas da Longevidade da População: O Setor Saúde e as Suas Necessárias Transformações. In: Veras, RP.(org) Velhice numa Perspectiva de Futuro Saudável. UNnATI/UERJ, Rio de Janeiro, 2001.
11. VIGUERA, Virginia G. de Aulas do CVEPE1. 2. 3, 4,5,8,9,11,13, 14.
12.________. Seminários por internet : Temas de Psicogerontologia N os 1,4,7 (2001).
Santo Antônio de Jesus - Bahia - Brasil, 24 de março de 2002.
Antonia Maria de Oliveira Sena dos Santos
- Enfermeira pela Universidade Federal da Bahia
- Especialização em Enfermagem Comunitária
- Trabalha no Ministério da Saúde
- Desenvolvendo atividade de Biodanza para grupos da 3a Idade.