Freud e a
Judeidade
A vocação do exilio
Betty B. Fuks
Duas breves observações de Freud despertaram o interesse da autora deste livro para a problemática da relação entre Freud e o judaísmo, questão capital que foi objeto de tantos estudos, alguns já clásicos, em todo o mundo: ima sobre a incidencia precoce da história bíblica em sua formação intelectual, outra reconhecendo que a resistencia no isolamente, própia à minoria judaica, foi uma fonte positiva para o estabelecimento da psicanálise.
Desta vez, porém, o leitor será surprendido com algo inteiramente novo, pois, ao empreender uma incisiva análise crítica das mias importantes obras sobre o tema - com enfase no ensino de Lacan e nas obras de Derrida, Deleuze e Lévinas -, Betty Fuks realizou uma original abordagem psicanalítica na qual não mais se trata, como nas obras anteriores, de examinar o grau de influencia do judaismo - conjunto de tradiãções culturais e religiosas do povo judeu - sobre Freud, mas sim de considerar a própria criação da psicanálise como a expressão maior de uma judeidade.
Essa judeidade pode se expressar por dois fatores específicos e interligados: de um lado, o exilio do povo judeu, seu nomadismo, sua errancia; de outro, o movimento erradio da letra, presente na própria interpretação contínua do texto sagrado. O cerne do trabalho da autora reside na demonstração de que os traços de exilio e de éxodo inscritos na história do povo judeu e a prática de leitura-escritura infinita do "Livro dos livros" tem um papel essencial na descoberta freudiana do inconsciente.
A solidão científica vivida por Freud ao criar a teoría e a clínica psicanalíticas representou a elevação da condição de exilio à sua máxima potencia criadora: nela, Freud construiu uma judeidade inteiramente original na contracorrente da maioria judaica, desidentificou-se da ciencia do século XIX e pode, inaugurando o lugar do psicanalista, ouvir o discurso do neurótico e do louco e revelar a causa inconsciente do sofrimento subjetivo. Assim, decifrou a estrutura do sonho, das fábulas e dos mitos, e, finalmente, reorganizou a ratio ocidental em torno de novos cánones até então insupeitados. En suma, a judeidade de Freud não é tratada aqui como uma suposta essencia imutável de uma etnia, mas sim como uma construção, um devenir-judeu que pode ser depeendido ao se estudar a própria descoberta da psicanálise.
Marco Antonio Coutinho Jorge
Professor do Curso de Pós-graduação em Psicanálise da UERJVer también el capítulo "Introdução" de este livro, no número 14 da revista Acheronta
Betty B. Fuks e psicanalista doutora pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Río de Janeiro (ECO/UFRJ)