A vertigem da
imortalidade
Segredos, doenças
Paulo Schiller
168 Páginas
Preço R$ 20,50
ISBN 8535900160
Sumário
1. As palavras e os muros: uma introdução
2. Romances e tragédias familiares
As tragédias
Édipo, ou o destino marcado
O mistério dos pés feridos
Um projeto para cada um
Mistérios familiares3. Anotações sobre uma invenção cultural
4. Poesias e tatuagens
A ilusão perdida
Pais perdidos
Quem sou eu para o outro e o que o outro quer de mim?
Não penso, logo existo
Ritos de passagem5. Sexualidade: o mito da cara-metade
O mito dos seres duplos
Animais e homens: sexo e sexualidade
A inocência despida
Sexualidade humana ou Quem será meu par?
Quem foi Narciso
As brincadeiras sexuais das crianças
A discriminação do sexo que não tem
Sexo, seccionar, separar, cortar, dividir ao meio6. A regra sem exceções
A imortalidade e a reprodução sexuada
O suicídio celular
A morte próxima e a morte distante
Do pânico de ser enterrado vivo à manutenção artificial da vida
A morte solitária7. Um equilíbrio precário
8. Câncer: a vertigem da imortalidade
Viagem à terra dos imortais
Células em busca da imortalidade
Impressões maternas e ervilhas
Pequeno guia: fantasmas e números
A batalha
Adolescência: a independência em risco
Um corpo oferecido ao destino9. Aranhas e vassouras
Breve história do divórcio entre corpo e mente
O corpo humano, um relógio perfeito
A abertura de cadáveres e a estatística
Uma ciência positiva
A herança de Descartes e Comte
As conquistas e os sonhos
Crianças desatentas
A missão
A tartaruga e o computador10. Filmes de suspense e cantos indígenas
Em busca das causas
Sonhos que perturbam
Bebês que mamam e a diferença entre corpo e organismo
Feiticeiros e pílulas de pão11. As mulheres de Descartes
Um pouco de história
Um corpo marcado por pensamentos
Frases comuns na clínica médica
Psicossomática médica hoje
Um pouco de psicanálise
O sintoma: um enigma em busca de interpretação
Cães e sinos
Doenças e tatuagens12. Maçãs e sonhos
13. Notas
14. BibliografiaSinopse :
Introdução à psicossomática à luz da psicanálise
Nós não temos instintos. Os elementos que formam o nosso psiquismo nos distanciam das necessidades naturais. Somos movidos por desejos. A sexualidade humana jamais se aproxima do reino animal. A imagem que temos do nosso corpo não coincide com a soma dos nossos órgãos. Somos o que as palavras e a ausência de palavras fazem de nós. Somos também o que fazemos com elas.
Uma incursão aos mistérios dos silêncios familiares, através da análise da tragédia de Édipo, nos leva a descobrir o nosso corpo imerso num oceano de palavras, de linguagem. O corpo não é um objeto à deriva, vítima de fenômenos naturais. É propriedade de um sujeito que o marca a partir de sua história, de suas angústias, do que foi incapaz de compreender. É assim que atribuímos às nossas doenças um nome e um sentido. Construímos uma teoria pessoal sobre sua causa.
Se os avanços da medicina moderna decorreram de um esforço de separação entre corpo e mente, se deslocaram a subjetividade de cada um de nós para um plano secundário, a descoberta do inconsciente pela psicanálise nos permite resgatar e definir os processos mentais situados na origem das doenças. Expomos por vezes o médico ao desafio paradoxal de curar justamente aquilo que, num canto remoto do nosso ser, desejamos, secretamente, conservar.
A partir deste núcleo o autor discute a construção da sexualidade e da adolescência; as concepções culturais da morte; a evolução do pensamento médico que desvenda os mecanismos da fisiologia e das doenças, mas não suas causas e significados. É assim que se aclaram as relações entre o psiquismo e o corpo, as semelhanças e as diferenças entre o trabalho do feiticeiro, do psicanalista e do médico.
Trechos
AS TRAGÉDIAS
Abortos, nascimentos prematuros, acidentes, doenças graves, mortes precoces trazem sempre à lembrança acontecimentos semelhantes ocorridos com parentes próximos ou nas gerações precedentes. Um sofrimento intenso ou uma perda reacendem a memória das histórias que se repetem. É como se o destino trágico fixasse o indivíduo na encruzilhada para a qual convergem as conseqüências do passado familiar. Os que era secreto ou esquecido renasce para ser falado ou perpetuar-se no silêncio.
Os segredos são silenciosos mas têm efeitos. O que reforça os laços de uma família e as identificações entre parentes são os segredos mudos, porém compartilhados. O que se esconde são as transgressões ou as situações que causaram vergonha. Elas podem reaparecer ao longo da vida de cada um como escrita estranha a ser decifrada. O que silenciamos cria lacunas cujo contorno é traçado pelo que dizemos. E os segredos ocupam espaço, têm forma, provocam deslocamentos, são mais poderosos do que as palavras. Ali não cabem outras histórias.
SEXO, SECCIONAR, SEPARAR, CORTAR, DIVIDIR AO MEIO
[...] Guardemos, de tudo isso, três pontos de reflexão:
* A sexualidade humana é feita de linguagem. O que nos distingue dos animais é o universo de linguagem em que nos banhamos.
* Uma mulher, ao se tornar mãe, pode excluir a paternidade e pôr o filho no lugar do que lhe falta. É plausível que esse encaixe se aproxime da perfeição e que esse filho fique aprisionado. É o incesto. Édipo é uma vítima ilustre.
* A única condição em que nada falta e, portanto, em que não há mais desejo, é a morte. O labirinto em que tentamos saciar o desejo caminha sempre numa direção paradoxal, oposta à da vida. Parece que o sexo tem alguma relação com a morte.
EM BUSCA DAS CAUSAS
[...] No entanto, o poder científico não reduziu a solidão e a angústia que acompanham a busca de uma razão que justifique o estar doente. A medicina moderna desvendou os mecanismos, não os significados. Parece evidente que os modelos biológicos precisos não esgotam o sentido da causa. É como se ainda fosse necessário decifrar a verdadeira razão do que desencadeia o desequilíbrio biológico, a ruptura da harmonia. Nossas reflexões mais íntimas revelam que, embora desejemos acreditar que a teoria médica detém a verdade, resta em nós um território opaco que não se aquieta. É como se acreditássemos que os nossos órgãos estão submetidos a algo que escapa à compreensão da ciência. Inquieta-nos a busca de uma causa histórica e do que pode ser feito além da prescrição médica. Agimos como quem desconfia que a interpretação científica da causa não traduz uma certeza. Denunciamos um certo saber de que a doença pode não ser um acidente natural que desaba casualmente sobre uma vítima desprevenida. Nossos pensamentos e atos revelam que desconfiamos de nosso psiquismo como agente determinante, ou no mínimo cúmplice, do aparecimento do mal.
SONHOS QUE PERTURBAM
[...] Palavras, pensamentos, imagens, sonhos e fantasias atuam sobre o nosso corpo e determinam mudanças, transformações. A frase dita por alguém, as letras do texto de um livro, a cena projetada na tela são conjuntos de símbolos, blocos de linguagem processados pelo nosso psiquismo, que interage com o organismo. Um evento psíquico determina em vários órgãos uma infinidade de reações químicas que resultam na vertigem, no rubor, na palpitação. Uma palavra pronunciada que rompe o silêncio por um instante e em seguida se desfaz causa uma secreção hormonal material, concreta e mensurável.
O SINTOMA: UM ENIGMA EM BUSCA DE INTERPRETAÇÃO
[...] Se um sintoma tem sua origem num silêncio, num segredo, na carência de representação de um sofrimento na esfera mental, o uso de drogas que atuam sobre o psiquismo ou a indução de um novo comportamento por meio de treino ou sugestão caminham no sentido contrário ao da cura. A suavidade do mal-estar inibe a motivação para a busca, sempre difícil, do que estava oculto. Se apesar do controle via medicamentos a fonte da perturbação não é encontrada, surge em outro momento um sintoma novo, orgânico ou emocional.
CÃES E SINOS
[...] Mergulhamos num romance familiar, num projeto com origens parcialmente recobertas por uma névoa densa, por finalidades obscuras e surpreendentes. Somos animados por movimentos que nem sempre coincidem com o que nos faz bem, com a preservação da vida, com a perpetuação da espécie. Somos seres paradoxais: apesar de sabermos o que deve ser feito, desenhamos percursos tortuosos ou contraditórios. Somos ignorantes do que nos arrasta nessas direções que vão ao encontro de sofrimentos, repetições e perdas anunciadas e esperadas. Criamos meios para prolongar a vida e torná-la mais confortável, mas construímos também os instrumentos que a fazem mais tormentosa e breve.
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