Investigación à Psicoanálisis

Trabalhos de Investigação Clínica e de
Inserção da Psicanálise em diversas Áreas Temáticas

Apresentação

Algo que não se poderá atribuir nem a Freud nem a Lacan é de não se haverem interessado com os problemas de sua época, ou haverem desprezado as perguntas emergentes de sua própria práxis. Pelo contrário, foi aí onde surgiram os giros mais importantes que cada um deles se viu levado a produzir em sua concepção da clínica, na orientação de suas intervenções, e na busca de respostas que estivessem a cada vez a altura de cada sujeito. Foi o que permitiu a Freud ir mais além dos paradigmas da psiquiatria clássica, não por isso ignorando o valor do trabalho de alguns colegas, como é o caso de Kraëpelin, que – mais além de avançar em direção diversa – compartilharam com ele um incomensurável apaixonamento pelo trabalho e o conhecimento científico. É o que permite a Lacan, primeiro, retomar um rumo que parecia extraviado; para logo continuar em uma busca incessantemente renovada para aqueles horizontes assinalados por Freud, e mais além ainda.

No que a nós – psicanalistas do século XXI – nos toca, não podemos eludir aquela pergunta com a que nos confrontamos dia a dia: Qual é o lugar da Psicanálise frente aos desafios da clínica atual? Para nos introduzir na complexidade desta problemática, nos pareceram oportunas as seguintes citações, cujos autores são precisamente dois dos psicanalistas mais reconhecidos na atualidade:

"Estamos na época do Outro que não existe e de seus comitês clínicos. A coexistência de múltiplas clínicas com as quais nenhuma crença absoluta se vincula é, certamente, a que corresponde a nossa civilização. Somente se trata de fazer uso delas. Em vista disto, o tratamento moral pode ser tão válido como a bioquímica mais moderna e afirmada".(1)

"Agora podemos dizer que não existe o todo dos saberes, que todo sujeito sem dúvida se encontra totalmente transpassado pelo que me permito chamar "A Nebulosa dos Saberes". Há saberes. São múltiplos, fragmentados. Não há o todo dos saberes. E com todos estes saberes, o que falta é a sabedoria, o que se chamava em outra época sabedoria, falta o saber que permitiria viver como se deveria, falta a arte de viver, falta toda arte de viver que seja coletivizável; e no lugar desta falta, cada sujeito mais ou menos hoje deve inventar sua maneira própria, isto é, que são os sintomas os que suprem o ato de viver...". (2)

A coexistência de múltiplas clínicas, a justaposição de múltiplos saberes, nos exige um esforço tão superlativo como crucial para que a Psicanálise não se extravie no mar dos discursos, senão que possa dar conta de uma práxis à altura das exigências da época. Partindo da pergunta acima, e segundo se observa no âmbito da Saúde Mental, não se pode negar que a Psicanálise participa de incontestáveis maneiras no desenvolvimento das diversas áreas específicas que aí se foram desenrolando. A presença de psicanalistas nos hospitais públicos constitui uma larga e velha experiência que já conta com suficiente riqueza de material acumulado como para avalizar a legitimidade e eficácia dessa intervenção. Há psicanalistas trabalhando em distintas áreas do Serviço Penitenciário, e os há, igualmente, em algumas instituições geriátricas, em diversos níveis do sistema educativo, em equipes que abordam a problemática das Crianças de Rua, nos institutos de menores, e nos programas de assistência ambulatorial do sistema judiciário. Sem falar do circuito de instituições – públicas e privadas – dedicadas ao tratamento das psicoses, a deficiência mental e as adições. Muitos deles levando adiante uma prática que, longe de deterem-se em seu desenvolvimento, ou afastarem-se da psicanálise, souberam driblar numerosos obstáculos para poder sustentarem-se ainda em lugares nada propícios, sem retroceder um centímetro em sua convicção a respeito da posição ética desde a qual esse trabalho devia orientar-se.

É então que, conforme esta realidade que estivemos descrevendo, aquelas predições freudianas esboçadas em seus Nuevos caminos de la terapia psicoanalítica (1918), puderam vencer, ao menos em uma boa medida, seu destino de fossilizar-se como meras fantasias... Como dizíamos em alguma oportunidade, "o futuro foi chegando, afortunadamente, mais rápido que o ocaso sempre anunciado – e por muitos desejado – da psicanálise. E é por isso que hoje nos encontramos habitando – salvo por alguns "pequenos" detalhes, de maneira quase idêntica – esse futuro sonhado por Freud". (3)

É neste contexto que a Seção que inauguramos aqui, e que denominamos "Trabalhos de Investigação Clínica e de Inserção da Psicanálise em diversas Áreas Temáticas", tem por objeto propiciar a elaboração, a divulgação e a discussão de todos aqueles trabalhos e experiências que – em cada uma das Áreas Temáticas em que a Psicanálise tem inserção - estejam orientados a produzir e otimizar aqueles recursos conceituais e técnicos indispensáveis, em cada caso, para a eficácia desses tratamentos. Em que o essencial é que a produção e implementação de tais recursos não esteja orientada jamais ao aplacamento do sujeito desejante ou, o que é o mesmo, a aquilo que situávamos como "uma antecipada morte subjetiva". (7) A participação e incumbência da Psicanálise no desenvolvimento de tais elementos conceituais, matérias e técnicos necessários para isso – através de sua inserção nos diversos âmbitos hospitalares e institucionais – se justifica, então, na medida em que só ela pode trazer a chave a partir da qual se poderão or denar, no tratamento de um sujeito, a multiplicidade das clínicas e os saberes que aí devam se colocar em jogo. Uma longa lista de experiências realizadas na Argentina, e em outros países, no tratamento de fenômenos clínicos como os que estivemos descrevendo, dão excessiva conta do lugar essencial dos psicanalistas na busca de liberar a verdade subjetiva posta em jogo em cada caso, e do necessário retorno por "novos caminhos" a certas encruzilhadas do sujeito, a respeito das quais podemos nos perguntar, até que ponto se trata dos mesmos problemas subjetivos com os quais lidava Freud, ou se pelo contrário, nos achamos em presença de problemáticas novas.

Há perguntas que ficam abertas, e acreditamos que de maneira inevitável serão retomadas outras vezes nas diversas Áreas Temáticas que irão dando corpo a esta Seção, assim como em cada uma das demais instâncias do Fórum.

Notas

1Laurent, E., Psiconálisis y Salud Mental, Buenos Aires, Tres Haches, 2000.

2 Soler, C., Los usos del Saber, conferência proferida na Faculdade de Psicologia da Universidade de Buenos Aires, 16/13/1998.

3 Pulice, G., De la experiência freudiana, a la orientación de la investigación psicoanalítica frente a los desafios de la clínica actual. Trabalho apresentado na III Conferencia Internacional de Psicología de la Salud, Psicosalud 2000, em 1/12/2000, na cidade de La Habana, Cuba

4 Pulice, G., Idem. bst

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