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Psicanálise na Universidades

Regulamentação do Psicanalista

por Manoel Tosta Berlinck

Este texto foi o Editorial publicado na Pulsional-Revista de Psicanálise, ano13, n° 138, Outubro 200. pp. 3-4

Notícias recém-chegadas de Brasília anunciam novas tentativas de regulamentação da profissão de psicanalista provenientes tanto de grupos evangélicos como do Conselho Federal de Psicologia.

A preocupação com a reserva de mercado de trabalho é herança corporativista do getulismo inspirada, por sua vez, no fascismo italiano liderado por Mussolini. Trata-se de concepção extremamente conservadora, incompatível com o mundo onde vivemos, onde a noção de trabalho passa por profundas e definitivas modificações podendo alterar, inclusive, as posições subjetivas predominantes até agora em nossa sociedade. De fato, o emprego da mão-de-obra passa por um nítido e acentuado declínio. Os avanços tecnológicos e modificações nas organizações de produção visam a redução do emprego e a crescente automação. Com isso, um número cada vez maior de pessoas em idade produtiva não encontra colocação no mercado de trabalho, como empregado. Essas pessoas são levadas a ter que encontrar outra solução para sua sobrevivência. Isto, por sua vez, requer grandes capacidades inventivas, organizativas e de trabalho exigindo recursos intelectuais nem sempre disponíveis. Por isso, cresce a importância da educação onde a população pode ser preparada para exercer atividade produtiva sem ter de ser empregada. Por outro lado, tal situação requer grande mobilidade ocupacional e o término da reserva corporativista de mercado onde profissões são propriedade de certos indivíduos especificamente treinados para isso. Nas novas circunstâncias, a tendência para uma educação generalista, permitindo a iniciativa criadora e a rápida adaptação ao trabalho, é um requisito básico. A reserva corporativista do mercado de trabalho dá lugar, nesta nova circunstância, a verdadeiras invasões onde se revela um MST, ou seja, um Movimento dos Sem Trabalho do qual, diga-se de passagem, o MST é um caso particular. Assim, por exemplo, a engenharia é profissão regulamentada mas, a não ser em grandes obras, com grandes estruturas requerendo cálculos e complexos desenhos, não há como controlar a invasão de arquitetos, empreiteiros, decoradores e outros práticos na construção civil. Por sua vez, hoje encontra-se engenheiros dirigindo táxis, vendendo sanduíches, gerenciando agências de bancos, e assim por diante. Nesta realidade, regulamentar uma profissão é criar mais uma lei que não será legitimamente obedecida.

O que a atividade produtiva necessita é de um código de ética suficientemente geral, capaz de definir os limites além dos quais o trabalho passa a ser crime. Não adianta dizer e escrever, por exemplo, que certas drogas só podem ser vendidas com receita médica. Dadas as novas condições de mercado, compra-se em qualquer farmácia qualquer remédio, qualquer droga. Nestas condições, a noção de drogadição passa a ter outro significado. Somos legítimos drogaditos. Consumimos um grande número de drogas mais ou menos auto-receitadas. Os médicos, por sua vez, raramente têm a oportunidade de praticar a medicina. Cada vez com mais freqüência praticam outras atividades: são empresários, agentes farmacêuticos, professores universitários, pesquisadores etc.

Neste dinâmico mundo do trabalho, a psicanálise ocupa posição sui generis.

Ela nunca se caracterizou como uma profissão, pois trata-se de atividade estritamente subjetiva. A formação do psicanalista, podendo ser realizada dentro e fora de organizações especializadas, depende da análise pessoal, da análise de controle ou supervisão com um *psicanalista praticando há mais tempo e de estudo. O que regula esta atividade é uma ética levando em conta a transferência e a regra fundamental. Qualquer tentativa de corporativização da psicanálise é contrária à sua ética e à sua prática. Trata-se, portanto, de uma atividade em completa sintonia com as condições mais contemporâneas do mundo do trabalho e assim deve ser mantida, a não ser que se pretenda terminar com essa atividade.

Há sempre psicanalistas preocupados com o controle de qualidade dessa atividade e freqüentemente relacionam esse problema com a qualidade da formação.

Entretanto, dada a natureza estritamente subjetiva da psicanálise, não se pode estabelecer esse tipo de correlação. Não há nexo causal entre qualidade da formação e efeitos produzidos pela atividade clínica, pois esta depende da transferência e da estrita obediência à regra fundamental. Pessoas "malformadas" podem ser excelentes psicanalistas em alguns casos e péssimos psicanalistas em outros casos. Isso vai depender, como diz claramente Freud, de até onde caminhou sua análise pessoal que, por sua vez, não é objeto de qualquer mensuração corporativista.

Se o Estado brasileiro decidir regulamentar a profissão de psicanalista cometerá, portanto, mais um ato fascista revelando sua natureza autoritária e retrógrada e só provocará, mais uma vez, o jeitinho e a legítima desobediência civil.

Manoel Tosta Berlinck
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