Volver a la página principal
Número Aniversario (10 años!!) - Noviembre 2008

Conversando com residentes de Instituições de Longa Permanência para Idosos.

Maria Augusta Lós Reis - Rita Duarte Amaral
augustalos@uol.com.br / silveiramaral@uol.com.br

Respeitar, saber escutar e fazer falar o silêncio faz parte da valorização da palavra.
O silêncio não é o contrário da palavra, nem seu "resto", mas seu corolário, seu indispensável companheiro
".

Brandão (2000:132)

Ao tratar do envelhecimento, abordamos um tema de estudo complexo e uma preocupação recente na sociedade brasileira. Até então, o país sempre fora conhecido como jovem e somente há pouco se percebeu que essa "cara jovem" sofreu mudanças significativas.

Os estudos demográficos apontam para o crescimento do segmento idoso, e esta é uma variável nova para a nossa sociedade. Berquó (1996:7) ao tratar essa questão, chama a atenção para essa parcela da população: O crescimento da população idosa torna-se cada vez mais relevante porque ele já supera aquele da população total. Por meio de projeções, a autora mostra que esse aumento da população dos idosos, em relação à população total, tende a continuar crescendo. Segundo ela, nesse novo século, o Brasil deve encontrar-se com 8.7 milhões de pessoas com sessenta e cinco anos ou mais, numa relação proporcional de um idoso para vinte brasileiros. A projeção para 2020 é de um idoso para cada treze brasileiros. Isso significa que a população idosa tende a um aumento ainda maior nos próximos 20 anos, relacionado, entre outros fatores, com o declínio da taxa de fecundidade da população ( a taxa da média de filhos das brasileiras está caindo) e com o aumento da esperança de vida, fenômenos que se refletem nas transformações demográficas.

É importante esclarecer que para a definição de metas governamentais e de políticas públicas no Brasil, considera-se idoso aquele maior de 60 anos de idade. (Estatuto do Idoso, Lei n º 10.742, de 1 de outubro de 2003 – Título I, Art. 1o).

Se compararmos o processo de envelhecimento brasileiro ao dos países desenvolvidos constataremos algumas diferenças. A primeira delas se refere ao tempo que a população levou para envelhecer. Enquanto na Europa tal fato ocorreu num século, no Brasil este fato se deu em três décadas, a partir de 1970. Como conseqüências surgiram dificuldades para lidarmos com este processo nos últimos anos. Além disto "a situação sócio econômica da população brasileira que envelhece é precária, não lhe oferecendo meios para atender satisfatoriamente às necessidades básicas para viver a velhice" (Corteletti et alli: 2004:16).

Neste cenário nos deparamos com as instituições asilares. Estas têm para com os velhos o compromisso de acolher, proporcionar um lar, cuidar, para que se sintam pertencentes a estes lugares e amparados diante de suas necessidades. No entanto o que acontece é que o institucionalizado vive em espaço limitado, realizando as mesmas atividades com as mesmas pessoas, em horários determinados, atendendo às exigências institucionais e não as pessoais, sofrendo assim a restrição de seus desejos de autonomia. Convive com pessoas desconhecidas, de hábitos e maneiras de viver das mais diversas. Passa a existir um rompimento do padrão de vida anterior e se oferece a este sujeito uma situação de compartilhamento fechado, afastando-o do convívio social e familiar. Camarano(2007:182) ressalta que o ingresso numa instituição " significa uma ruptura com uma comunidade e a adoção de uma outra. Geralmente, esta ruptura se dá nos vínculos afetivos(familiares), e os novos vínculos são com pessoas, em princípio, desconhecidas, sem nenhum laço afetivo."

O projeto – Conversando com residentes de Instituições de Longa Permanência para Idosos – partindo da premissa de que o trabalho com memória afetiva positiva abre a possibilidade de criar, dentro de uma Instituição de Longa Permanência, um espaço de inclusão e revalorização das histórias de vida dos idosos - iniciou-se, na cidade de São Paulo, em março de 2008.

Este trabalho surgiu como um desdobramento do Projeto de formação continuada "Oficina de Memória Autobiográfica- teoria e pratica", idealizado pela Prof.ª Vera Brandão. Foi este curso que nos forneceu os subsídios teórico-práticos para a execução das oficinas com idosos em diferentes espaços. A necessidade de diálogo entre a teoria e a prática, também gerou a criação do Grupo de Estudos da Memória – GEM, um espaço de pesquisa, discussão e aprimoramento, que tem entre seus objetivos o aprofundamento dos estudos teóricos sobre o tema da memória autobiográfica; a troca de experiências sobre as práticas profissionais desenvolvidas pelos participantes e a promoção de pesquisas relativas ao tema.

O projeto aqui apresentado surgiu dos estudos, reflexões e trocas entre Lós Reis, psicopedagoga, e Amaral, pedagoga, pesquisadoras e integrantes do GEM. O projeto foi realizado em duas instituições asilares distintas.

A primeira é uma instituição filantrópica localizada num município vizinho à cidade de São Paulo e abriga 65 residentes. Nesta, uma das profissionais atua como voluntária desde 2002. A segunda é sediada na zona sul na cidade de São Paulo e atende cerca de 160 idosos

Objetivos

O trabalho visa uma reflexão sobre a trajetória de vida, reconstruída com a perspectiva da identidade atual, ressignificando-a e inserindo-a na história coletiva, no tempo e espaço das culturas de origem e destino. Favorece, ao trabalhar com o a própria história, o resgate da auto-estima, a (re) descoberta de potencialidades e a auto-valorização. Pode ser um facilitador para a formação de laços afetivos entre os residentes.

"Nunca estamos sós", diz Halbwachs (1990), reforçando sua tese de que toda lembrança, mesmo tida pelo indivíduo como única, prende-se de alguma maneira ao contexto social mais amplo. Lembrar é reconstruir o passado a partir dos quadros sociais do presente; é uma lembrança consciente. É uma ação que também se apóia no tempo socialmente referido - a memória está no grupo - e o trabalho de reconstrução do passado só pode ser realizado nesse contexto. (Brandão, 2002:183).

Esta afirmação aponta para a importância do grupo, fator relevante para os idosos, pela oportunidade do encontro e o (re) descobrimento de si e do outro, e por sua força latente, que vai se desenvolvendo a partir dos encontros, estabelecendo vínculos entre os participantes.

Metodologia

A oficina Conversando com residentes em Instituições de Longa Permanência para Idosos utiliza a memória autobiográfica como método de resgate da história afetiva vivida.

Brandão (2002) afirma que "esta técnica tem se mostrado rica em possibilidades quando aplicada, seja em grupos de idosos seja na atualização ou preparação de profissionais das áreas da saúde e educação que trabalham com as questões do envelhecimento humano."

As oficinas tiveram a participação de 25 idosos em quatro grupos distintos nas duas instituições. Três na instituição fora de São Paulo e a outra na zona sul da capital paulista. Os critérios de elegibilidade do grupo foram lucidez e preservação auditiva.

Numa primeira intervenção, promoveu-se a aproximação das mediadoras com os residentes para informá-los e convidá-los a participar do processo da Oficina. Com a sua anuência iniciou-se o trabalho, tendo como eixo temas adequados às características grupais. Foram previstos oito encontros semanais com duração de cerca de duas horas cada.

Foram utilizados recursos, como leituras, reflexões e dinâmicas de grupo, a partir de material adequado e pré-selecionado pelas coordenadoras. Esse material é usado como estímulo para iniciar as conversas evocativas. Segundo Izquierdo, "de longe, e por enorme diferença, o melhor exercício para preservar e melhorar a memória é a prática da leitura." (2004:85, grifo do autor) As leituras eram realizadas pelas mediadoras, mas sempre todos os participantes recebiam o texto que estava sendo lido.

Os encontros foram planejados de modo a permitir a expressão espontânea de todos; para tanto, a função de controlar o tempo era exercida por uma das coordenadoras. E como "toda a memória é adquirida num certo estado emocional" (Izquierdo, 2005:36) quando trabalhamos na perspectiva da evocação de memórias autobiográfica, a continência e respeito pelas falas, e até mesmo os silêncios e esquecimentos dos participantes se faz fundamental. No decorrer do processo, com o aprofundamento dos vínculos, percebemos que essa função de continência e respeito pelo outro foi se desenvolvendo no próprio grupo.

Constatamos que um dos principais motivos que levam os idosos a participarem da oficina é a palavra memória, já que é estabelecida a relação entre perda da memória e envelhecimento. Com o aumento da longevidade e o desenvolvimento das ciências médicas, patologias como o mal Alzheimer, entre outras, que se iniciam com os esquecimentos, são cada vez mais estudadas e seus resultados largamente divulgados.

No entanto, nosso trabalho se alinha entre as abordagens de caráter preventivo, lembrando que "para a memória normal se aplica o princípio de que a "função faz o órgão". Os idosos que cultivam sua memória, principalmente praticando-a por meio da leitura consciente, mantêm sua mente funcionando o melhor possível até o final." (Izquierdo, 2004:95)

As oficinas utilizam os conceitos de ressignificação, no sentido de atualização da identidade, e de "memória afetiva positiva na perspectiva do desejo - não focando no que não foi feito, e sim no que posso e quero fazer." (Brandão, 2002:186)

As oficinas funcionaram tendo como eixo textos previamente selecionados pelas mediadoras, por meio dos quais se procurou estimular a evocação de lembranças significativas. A partir delas e de seu registro posterior em textos, que comporiam o caderno de memórias, trabalhou-se a atenção, a expressão oral e a escrita. Neste processo, memória, inteligência e raciocínio estão interligados estimulando os canais de comunicação - as vias neurais.

Ao final do trabalho cada residente, e a Instituição, teve como resultado palpável os cadernos de memórias onde estão contempladas suas lembranças, e as de todos os integrantes do grupo. Este material é um registro que pode ser compartilhado com as famílias de cada participante, e suas histórias permanecem como um legado para seus descendentes.

Cabe ressaltar que estas pessoas tinham deixado de lado o hábito da escrita e apresentaram certa resistência nos primeiros textos. O critério – alfabetização - não foi considerado. Muitos participantes são analfabetos, outros apresentaram dificuldades em razão de seqüelas resultantes de acidente vascular cerebral (AVC), etc. Aos poucos os idosos foram descobrindo novas possibilidades em seus cotidianos. Algumas pessoas ousaram escrever de próprio punho; há quanto tempo não o faziam?

"Gostei de tudo, tive dificuldade no inicio para escrever; minha mão estava trêmula, porque quase não escrevia, não é como jovem." diz um residente.

Inspirado por esta motivação este idoso escreveu uma mensagem para uma de suas companheiras de instituição por ocasião do seu aniversário, homenageando-a de forma singular. Outra residente ajudou seus colegas nesta tarefa, trabalho este que também nos envolveu em alguns momentos. Nestes, os idosos nos ditavam suas histórias e, com a preocupação de não alterar a forma e estilo da narrativa, registrávamos e líamos as narrativas para eles que, posteriormente, assinavam, garantindo a fidelidade do relato.

No decorrer do processo percebemos que os participantes ficaram comprometidos com a oficina, envolvendo-se nas atividades nela propostas.

Como afirma Izquierdo (2002), a memória é modulada pela emoção, como nessa frase: "Eu vivia muito feliz. Tudo me sorria. Esta foto é de 1945". (Sr. R. 94 anos).

Outro aspecto significativo nas narrativas foi a presença e as referências à família. Ela se tornou, em alguns casos "a tecelagem onde se unem os fios de relatos de solidão." (Chauí, apud Bosi: 2001:32): "Éramos 10 irmãos. Todos já morreram. Da minha família só ficaram minha irmã e eu. Passei por todas as vicissitudes da vida". (Sr.H, 94 anos)

Em algumas percebemos a severidade dos pais à época: "Eu gostava muito da mãe. Eu lembro dela quando tocava a música. Era brava". (Sra.N, 80 anos).

Em outras está presente a saudade: "Nós ouvíamos o Ébrio no rádio. Meu pai ouvia, minha mãe costurava e os oito irmãos ficavam ao redor". (Sr.B, 95 anos). Ou:

"Minha mãe se chamava A. Para mim ela era a melhor pessoa do mundo. Saíamos sempre juntas. Nos dávamos muito bem Eu a amava muito. Tenho muita saudade." (Sra.N, 80 anos)

Ao final de cada oficina pedimos uma palavra sobre o que tinham sentido de cada encontro. As palavras tinham a função de um "termômetro" para orientar nosso trabalho. O retorno, de maneira geral, foi positivo: satisfeito, alegria, agradável, gostoso, gratificante, ótimo, etc

Sabemos que ao final das oficinas o resultado não contempla todo o processo vivido e nem mostra a intensidade das emoções compartilhadas pelo grupo. No entanto, é algo que se constrói paulatinamente, envolvendo afeto, e que é recebido pelos idosos com muita surpresa, satisfação e orgulho, o que alimenta e estimula as coordenadoras e os idosos para projetos futuros. Como os participantes se sentem estimulados pelo trabalho semanal, fomos requisitadas para continuar com o trabalho de memória. Formaram vínculos com seus colegas de moradia e com as profissionais com as quais trabalharam.

Uma das profissionais que trabalha na instituição fora de São Paulo continua com uma atividade quinzenal com os residentes e na capital, continuamos com atividade mensal na outra instituição.

Preservando imagens

Durante o processo das oficinas Conversando com residentes em Instituições de Longa Permanência para Idosos realizamos um registro fotográfico, com a permissão dos residentes. Ele mostra o envolvimento e o "retrato" dos grupos nos diferentes momentos do trabalho. No último encontro, no qual se realiza a confraternização, as fotografias, tiradas ao longo do trabalho, são apresentadas aos idosos. Foi confeccionado um mural com as imagens, posteriormente exposto nas dependências da instituição. Muitos adquirem cópias das imagens, outras são entregues para o arquivo da instituição e distribuídas aos familiares. Fato marcante é que muitos idosos há anos não eram fotografados, sentindo-se valorizados ao se verem retratados, trabalhando e com seus "amigos" institucionalizados. A tecnologia digital, tão comum atualmente, ainda não faz parte da vida desses idosos. No processo oficina lhes é também oferecida essa oportunidade de registro, o que se apresenta bastante atraente. Com essa atividade também realçamos a força dos diversos meios de expressão, incluindo a linguagem visual como parte das memórias autobiográficas e suas múltiplas (re) significações.

Preservando a palavra

"Mesmo que o texto autobiográfico não seja uma obra prima literária, sua força reside no modo como o individuo relata, o que pode ter efeito poderoso sobre quem lê ou escuta... [ ] Essa participação, implicação e envolvimento em um jogo de significados, que é do outro e também meu, assume uma perspectiva diversa daquela que se tem ao ler um texto puramente ficcional. " Brandão( 2007:73)

Os relatos abaixo retratam aspectos das brincadeiras infantis de outro tempo:

"Durante a semana, eu brincava com as vizinhas, pulava corda, jogava peteca e tinha as bonecas. A mãe dava os retalhos e a gente fazia vestidinhos.Nos fins de semana, meu pai pegava a máquina de passar filme e projetava na parede filmes próprios para crianças.Um dos garotos não entendia como é que pode uma pessoa entrar dentro daquela caixa de madeira..... " (Sra.N.,80 anos)

"Nós tínhamos uma tia Maria que vivia só para nós. Ela fazia roupa de festa, fazia tudo para nós. Ela fazia nossas fantasias de teatro com papel crepom. As bonecas ficavam na platéia de convidadas. Ela fazia toda nossa roupa, desde a infância. As nossas bonecas eram todas batizadas. A gente festejava o aniversário das bonecas." (Sra.N.,84 anos).

Muitas vezes, durantes as oficinas, cuja proposta era a do resgate de uma lembrança relacionada a um determinado aspecto, as tramas da memória conduziam o depoente para outros caminhos, às vezes, até surpreendentes. Como nos informa Bérgson(1999:12): "Tudo se passa como se, nesse conjunto de imagens que chamo universo, nada se pudesse produzir de realmente novo a não ser por intermédio de certas imagens particulares, cujo modelo me é fornecido por meu corpo." Nos relatos abaixo, podemos exemplificar como, a partir de um estimulo envolvendo o paladar, emergiram lembranças de perda:

"Eu via minha mãe fazer pamonha. Eu ajudava. Lembro da minha mãe. Era assim como eu, morena, era boa demais.Só não podia pisar no calo dela. Respeitável. Ela morava comigo. Ela disse que queria morrer comigo.Era agosto, eu tava casado de novo. Eu tava no quarto da frente e senti alguém me cobrir. Era minha mãe.Uma noite, eu tava carregando o caminhão e ela perguntou para onde eu ia. Disse que ia para o Rio e ela falou para eu não ir. Às nove horas ela faleceu do coração. Não deu trabalho nenhum ..." (Sr.B.75 anos)

"Eu ia na feira com a minha senhora e comprava as berinjelas. Eu só sabia lavar a louça. Um dia eu vim da casa dos pais dela. Desci do ônibus com ela e aí ela sentiu-se mal e foi para casa...Só depois de um bom tempo, ficamos sabendo que ela tinha o mesmo que seu pai: angina. Um dia, minha filha mais velha, a que já morreu, me avisou que a mãe estava passando mal. Corremos para o hospital mas ela faleceu." (Sr. B.,95 anos)

Percebe-se nas narrativas dos idosos a importância desempenhada pelo tempo e espaço ao evocarem suas lembranças. Para Halbwachs, o "tempo só é real na medida que tem um conteúdo, ou seja, na medida que oferece ao pensamento uma matéria de acontecimentos..." O mesmo autor assinala que "as imagens habituais do mundo exterior são partes inseparáveis de nosso eu."

Dizem nossos narradores:

"A melhor época foi na Rua Jose Getulio. Tinha minha primeira filha e fomos morar numa vila. Eu deixava a minha mulher com a filha e ia jogar com os vizinhos. Jogava com meu tio Minu. (Sr. B.,95 anos)

"Recordo muito do meu pai, que Deus o tenha em bom lugar. Tinha a família que se reunia em volta da lareira. Todos católicos. A gente primeiro rezava e bem mais tarde assava alheiras. A lareira grande e a família em volta...Uns bebiam vinho, outros chá ou café com leite.Meu pai se chamava João e meu avô se chamava Júlio. As duas avós eram Joana e Silvana. Conheci só meu avô paterno.Fui criada numa casa com muita fartura.Tive uma infância muito boa."(Sra.M.,78 anos)

"Eu ia fazer nove anos na revolução de 1924... Então eu chorava porque eu queria uma boneca no dia do meu aniversario e não dava para ir comprar por causa da revolução! Nós dormíamos embaixo da olaria por causa da revolução. Quanto que nós sofremos. Eu chorava de medo da revolução."(Sra.P.90 anos)

Considerações finais

Na avaliação ao término da Oficina, constatamos que as atividades estreitaram os laços entre os residentes: "Ficamos entrosados com a troca"; "Foi ótimo porque eu vi a turminha".

Verificamos também como se manifestou a memória afetiva positiva: "Recordar coisas do passado [...] fatos mais deliciosos" ou "Reviver memória do passado [...] não apenas recordar".

Indagados sobre o caderno, os residentes afirmaram: "Vou guardar o caderno com amor a carinho, não vejo a hora de o meu neto aparecer para eu mostrar o caderno!".

Podemos considerar a intervenção Oficina de memória em ILPI como uma ação positiva para os mesmos, que se expressa nas palavras: "Vamos sentir saudades!"

Além disto, estreitar laços também se faz necessário, sobretudo dentro de uma instituição asilar. Tivemos um exemplo quando a Sra C.(80 anos) salientou as dificuldades da concretização dos sonhos, e os membros do grupo ressaltaram a importância de continuar investindo neles, pois ainda há tempo.

Parafraseando Charles Chaplin, segundo o qual deixamos efetivamente de viver quando deixamos de amar, gostaríamos de acrescentar: realmente deixamos de viver quando deixamos de sonhar, de investir naquilo que consideramos importante para nossas vidas.

Neste diálogo entre teoria e prática, pudemos constatar o "compromisso afetivo", ( Bosi,2001) que se estabeleceu entre residentes e mediadoras, responsável por um vínculo que nos levou a manter um encontro mensal em uma das instituições, após o término da oficina. Tal fato demonstra a importância da orientação teórica necessária para assegurar a objetividade do trabalho, na medida em que "a maioria das pessoas conserva algumas lembranças que, quando recuperadas liberam sentimentos poderosos." (Thompson,1992:205). É este autor que também nos informa que "a lição importante é aprender a estar atento àquilo que não está dito, e a considerar o que significam os silêncios". Pollack reforça esta idéia ao afirmar que "o silêncio tem razões bastante complexas" (1988:6).

Isto nos ajudou a entender o fato de um residente, solicitado a escolher uma música significativa em sua vida, optou por um hino pátrio, evitando lembranças carregadas de emoção. Interessante foi, numa outra ocasião informal, referir-se a esta escolha e ter plena consciência dos motivos de sua escolha.

Talvez a maior aquisição deste tipo de trabalho seja podermos entrar em contato com os problemas gerados pelo envelhecimento, a partir das próprias experiências de vida de idosos de origens, sexos e formações diversas.

Referências bibliográficas:

Bérgson, Henri. Matéria e memória. Ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. Tradução: Paulo Neves. 2ªed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

Bosi, Eclea. (2001) Memória e sociedade- Lembranças de velhos 9ed,São Paulo: Companhia das Letras.

Brandão,VeraM.T.(2000). A palavra dos velhos: resultados, análise, práticas. Revista Kairós Gerontologia, São Paulo, 3(3), EDUC.

____________.(1999) Memória, Cultura e Projeto de Vida. Dissertação de Mestrado. São Paulo, PUC.

____________.(2002) Oficina de Memória – Teoria e Prática: relato sobre a construção de um projeto. Revista Kairós Gerontologia, 5(2):181-195, São Paulo, EDUC.

____________. (2008) Labirintos da memória:Quem sou? São Paulo.Ed. Paulus.

Camarano, AnaA.(2007) "Instituições de longa permanência e outras modalidades de arranjos domiciliares para idosos" In Idosos no Brasil Vivencias, desafios e expectativas na terceira idade-organizadora Anita Néri Liberalesso, São Paulo:Edições SESCSP.

Cortelletti, Ivone.A., Casara, M.;Herédia, V.(2004) Institucionalização do idoso: identidade e realidade In Idoso Asilado, um estudo gerontológico (orgs.) Caxias do Sul RS:Educs/Edipucrs

Halbwachs, Maurice. (1990). A memória coletiva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais Ltda.

Izquierdo, Ivan.( 2002). Memória. Porto Alegre: Artemed.

_____________.(2004) – Questões sobre a memória – Rio Grande do Sul, UNISINOS.

Pollack, Michel. (1989) Memória, esquecimento e silêncio. São Paulo: Revista dos Tribunais Estudos Históricos, nº 3.

Thomson, Alistair. (1998) Recompondo a memória: questões sobre a relação entre história oral e as memórias. Revista Projeto História nº 15 – Ética e História Oral. Programa de Estudos Pós-Graduados em História. São Paulo: EDUC.

Volver al Indice del número 23 de Tiempo

PsicoMundo - La red psi en Internet