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Número 20 - Mayo 2007

A musicoterapia como tratamento coadjuvante a doença de Parkinson (Musictherapy as a coadjuvant treatment of Parkinson Disease)

Beltrina Côrte
beltrina@uol.com.br

Pedro Lodovici Neto
pplodo@terra.com.br

Resumo

Este trabalho resultou de uma pesquisa com abordagem qualitativa, na interface da Gerontologia e Musicoterapia. Foi analisada a importância de práticas alternativas, como o exercício de tocar um instrumento (piano, violino...), ou cantar, ou praticar um exercício musical orientado, que funcionam como uma atividade terapêutica para as pessoas afetadas pela Doença de Parkinson. A análise, a sistematização e a interpretação dos dados apontam: a música é uma excelente via para melhorar a vida do doente, fazendo-o conviver bem melhor com a doença, minimizando seus efeitos motores e não-motores, implicando a mudança do sujeito para uma posição singular e própria na relação com sua doença e com os demais que o cercam.

Palavras-chave: Musicoterapia; Doença de Parkinson; Gerontologia; velhice.

Abstract: This study is a result of a research in the qualitative approach, in the Gerontology and Musictherapy scenario. It was analyzed the importance of alternative practices like playing an instrument (piano, violin…), singing, or practicing a guided musical exercise as a therapy activity for old people with Parkinson Disease. The analysis, the systematization and the interpretation of the data pointed: music is an excellent way to improve the life of the patient that becomes more sociable, decreasing physical and psychological symptoms (‘symptomatology’) and the change of the subject for a singular and own position in the relation with your disease and with the people around.

Key words: Musictherapy; Parkinson Disease; Gerontology, old age.

Abertura

A Musicoterapia vem sendo utilizada com o objetivo de se obterem resultados exitosos no tratamento de certas doenças que afetam a capacidade física, cognitiva, mental, psíquica das pessoas. Dentre as que se agudizam nas pessoas mais idosas, está a Doença de Parkinson (D.P.), e em torno da qual circunscreve-se a investigação ora descrita, com foco no tratamento musicoterápico.

Os objetivos do presente trabalho são: (i) verificar se o exercício musical pode, e de que forma, funcionar eficientemente como atividade terapêutica para o mal-estar da D.P., cujo sofrimento decorre especialmente em função do isolamento em que a pessoa afetada acaba se encerrando e dos efeitos sintomáticos de ordem motora e não-motora; (ii) contribuir, a partir da análise e da interpretação da fala de alguns sujeitos de pesquisa, no sentido de explicitar quais as condições necessárias para que o exercício musical, tomado como uma forma de tratamento, constitua uma via de escape ao isolamento, de resistência à doença, enfim; (iii) reafirmar o valor de tratamentos coadjuvantes à medicação alopática aos acometidos pela D.P.

Trata-se de uma pesquisa com abordagem qualitativa, na interface da Musicoterapia e Gerontologia. A análise, a sistematização e a interpretação dos dados basearam-se na linha de pesquisa desta última área do conhecimento, no sentido de entender o idoso como "o ser que envelhece" e não " o ser que adoece", de conceber o envelhecimento como um processo dinâmico e particular a cada indivíduo (Mercadante1). Dos depoimentos de parkinsonianos-idosos, familiares e profissionais ligados a eles, foram estudadas questões relevantes aos objetivos propostos, desatrelando pares conceituais como: doença x velhice; velhice x má qualidade de vida; velhice x morte, problematizando o sentimento que as pessoas têm de seu próprio envelhecimento e de sua doença, suas opções de resiliência à doença nas suas incidências ou efeitos motores e não-motores (‘sintomatologia’), além de refletir sobre perspectivas de um sentido produtivo à vida longeva, com melhor qualidade de vida (Côrte2) e novas possibilidades de laço social (Mucida3). Como pressuposto norteador do trabalho, a valorização de uma relação de interação dialógica entre: (i) o musicoterapeuta (ou outro profissional) e a pessoa portadora da D.P.; (ii) o familiar, amigo ou cuidador e a pessoa portadora da D.P.; (iii) a pessoa portadora da D.P. e outra pessoa portadora da D.P., no setting terapêutico (no presente caso, em um Coral); e ( iv) um pesquisador (médico ou não-médico) e a pessoa portadora da D.P. A hipótese é que, no diálogo com o outro, o doente pode restabelecer-se, manter ou voltar a ter contato com o mundo, com o real, estabelecer laços afetivos que o afastem da solidão , do isolamento do mundo (no sentido de Varella3; Zygouris4) , a ponto de não se centrar na doença, minimizando seus sintomas corporais e psíquicos. A coleta de dados tem, como instrumentos, entrevistas baseadas em questionários com a gravação (e posterior transcrição) realizada junto a dez sujeitos: seis profissionais que lidam com pessoas portadoras da D.P., sendo dois musicoterapeutas (pianista e regente do Coral Terapêutico), dois fonoaudiólogos e dois fisioterapeutas que orientam a terapia vocal e corporal dos doentes; quatro idosos portadores da D.P., sendo três membros da Associação Brasil Parkinson (ABP), localizada em São Paulo, e um membro, pessoa pública, cujos dados foram colhidos de entrevista e recente biografia publicadas na mídia. São todos esses sujeitos que convidam os leitores, a terem escuta a esta orquestra!

1. Repertório: a doença, o Parkinsonismo e a Doença de Parkinson

Alguns acordes básicos

A prevalência da D.P. na população brasileira é de 150 a 200 casos por 100.000 habitantes, sendo que, anualmente, 20 novos casos são atestados. Da população total projetada para 01/07/2006, de cerca de 186.770.562 habitantes, entre 280.156 e 373.540 habitantes são os acometidos pela D.P., conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).5

Primeiro acorde — a doença

Pensando no idoso, via de regra pensa-se nas doenças chamadas degenerativas, como numa relação causal em que as segundas seriam inevitavelmente obra da idade cronológica. É preciso logo pontuar que não apenas na velhice se manifestam a Parkinson, Alzheimer, complicações cárdio-circulatórias, arteriosclerose etc. Apesar de essas doenças poderem acometer pessoas das mais variadas idades, na verdade elas são altamente incidentes naquelas mais longevas. Preocupantes, assustadoras até, para idosos e familiares, são as duas primeiras citadas: a D.P.e a de Alzheimer. Para além de tais indicações, porém, o essencial, a nosso ver, não deve ser o foco na doença em si ou em sua sintomatologia; o foco deve estar na própria pessoa na relação com sua doença e na relação da pessoa com D.P. com o outro (o familiar, cuidador, amigo...) – a nosso ver, a via mais importante para decidir a modalidade e a direção de qualquer tratamento. Pensar a relação do idoso com familiares e outras pessoas vem sendo uma preocupação dos estudiosos do campo do envelhecimento. É preciso pensar que somos membros de uma sociedade que se articula por meio de grupos comunitários como em uma família, clubes, associações, ligados por determinadas crenças, movidos por determinados interesses econômicos, assim como novos "arranjos familiares" característicos da modernidade. Casamentos dissolvem-se, cônjuges separados casam-se novamente, com nova geração de filhos. Nesse sentido, novos "arranjos sociais" precisam ser idealizados como a criação de espaços, públicos e privados, para o grande número de idosos em situação similar à explicitada (Mercadante6). Nas relações, ou nos laços sociais, tecidos num setting musicoterapêutico, está o ponto em que se centra este trabalho, trazendo relatos de pessoas que enfrentam, de uma forma renovada e bastante exitosa, uma das duas mais temidas doenças, a D.P.

Segundo acorde: o Parkinsonismo

Parkinsonismo e D.P. não são termos equivalentes, nem têm o mesmo escopo patológico de aplicação. Parkinsonismo é um termo genérico, de extensão maior. Refere uma série de doenças diferentes, mas que evidenciam em comum a presença dos sintomas parkinsonianos, em combinações variáveis, associados ou não a outras manifestações neurológicas. Pertencem ao quadro do Parkinsonismo Secundário, dentre outras, a doença de Shy-Drager, a Síndrome de Tourette, a Encefalite hipercinética, a Encefalite letárgica (Doença do sono), a Catatonia estatuesca (Sacks7). Outras são aquelas resultantes dos efeitos de drogas antidopaminérgicas (neurolépticos, a metoclopramina, a cinarizina e a flunarizina), atrofia de múltiplos sistemas, problemas vasculares, Doença de Wilson, DCBG (degeneração córtico-basal ganglionar); Doença de Alzheimer, Atrofia Palidal, Doença de Machado-Joseph, Neurocantocitose (Grossmann8). Nos EUA, há mais de 2 milhões de pessoas com Parkinsonismo: - 1 milhão com a D.P. ou Parkinsonismo Primário/Idiopático; - 1 milhão com Parkinsonismo induzido por drogas (fenotiazida e butirofenona, os denominados "tranqüilizantes maiores"); - milhares de pessoas com Parkinsonismo pós-encefalítico (decorrente da Encefalite Letárgica, ou Doença do sono); - milhares com Parkinsonismo resultante de envenenamento por gás de carvão; por manganês, por sífilis, ou por tumores etc.

D.P. é a mais freqüente manifestação do parkinsonismo: na Europa e EUA., corresponde a D.P. a cerca de 76% do universo do parkinsonismo. No Brasil, essa proporção é pouco menor: cerca de 60% dos parkinsonianos têm a D.P. Nos restantes 40%, não é a D.P. a causa do parkinsonismo.

Terceiro acorde: a D.P.

Trata-se de uma das afecções neurológicas mais comuns do sistema nervoso central. Acomete principalmente o sistema motor de aproximadamente 1% da população acima dos 65 anos; 10% dos casos ocorrem antes dos 50 anos; 5%, antes dos 40; casos mais esparsos de afetados com até 30 anos, enquanto a D.P. em crianças é a forma menos incidente. Dentre os efeitos de ordem motora (‘sintomatologia corporal’) que afetam o doente de Parkinson, verificam-se: enrijecimento corporal e do rosto, tremor de repouso (o mais visível e assustador para a própria pessoa e que retém o olhar do outro), o estacar em meio a uma ação; festinação (ou tendência contrária de aceleração do passo, da fala e da escrita); dificuldade de equilíbrio, acinesia (ou incapacidade de mover-se, talvez o sintoma mais incapacitante da D.P.) e bradicinesia (maior lentificação dos movimentos voluntários, com perda da agilidade, mesmo em tarefas simples, automáticas), dentre outros. Como efeitos de ordem não-motora (‘sintomatologia não-corporal’) registram-se: perda de memória; sensação de emperramento da mente; alterações emocionais; distúrbios do sono, cognitivos, da fala e da escrita; dores, depressão/ansiedade, dentre outros. Apesar dos avanços científicos na área cada vez mais promissores, inclusive com as pesquisas médicas recentes utilizando células-tronco, a D.P. é considerada uma doença crônica, sendo que a progressão de seus sintomas se dá, via de regra, de forma lenta e variável em cada caso. É consolador pelo menos saber da não-evidência de que ela seja hereditária ou contagiosa. É de forma quase imperceptível que a D.P. vai afetando uma pessoa, muitas vezes nem mesmo a própria consegue identificar o início preciso das primeiras manifestações, o que é verificado pelas pessoas mais próximas; assim, inform aram-nos nossos sujeitos de pesquisa.

Quarto acorde: vencer – ter e conviver com a D.P.

Há muitos casos de pessoas conhecidas no mundo que padecem com a D.P. e que representam testemunhos de luta contra ela. Pessoas que, em vez de se abaterem pelas más condições físicas e mentais e se precipitarem num estado de autodestruição, revertem esse caminho: passam a produzir mais ainda saberes sobre seu sofrimento, pensando, antes que em si, nos outros também afetados. Assim, felizmente, manifestam-se os sujeitos desta pesquisa...

No tratamento da D.P., é modelar aquele realizado na Associação Brasil Parkinson (ABP), na capital paulista, em que atuam com processo multidisciplinar, utilizando terapias coadjuvantes ao tratamento médico. Nessa instituição, as pessoas portadoras da D.P., além da medicação adequada, têm a possibilidade de fazer ao mesmo tempo fisioterapia, exercícios fonoaudiológicos, e tomarem aulas de canto, além de outras atividades em paralelo. Os sujeitos desta pesquisa, de uma combatividade sempre renovada, freqüentam a ABP.

3. Trilha sonora: a Musicoterapia

Exprimindo alguns sons históricos

A música é usada como meio terapêutico desde a Antigüidade. Registros em papiro no Egito, de 1550 a.C., e na Grécia Antiga, revelam a influência dos sons melódicos ou rítmicos sobre a fertilidade feminina; lá surgiu o embrião da música ocidental; a música era concebida dentro de um contexto situado muito mais próximo daquilo que poderíamos chamar de ciência e cosmologia do que na prática musical como a entendemos hoje (Iazzetta9). Personagens históricos representaram cenas que diziam do papel fundamental da música em certas situações; por exemplo, David tocando lira, para acalmar o rei Saul; Josué e as trombetas que derrubaram as muralhas de Jericó... A música também era concebida como uma força que produzia efeitos sobre o pensamento, as emoções, e a saúde física das pessoas. Em 600 a.C, em Esparta, registrou-se a cura de uma praga por meio dos poderes musicais do célebre Thales. A música, nos exércitos, valeu como incentivo patriótico: os escoceses tocavam as gaitas de fole; os ingleses, trompetes; e os franceses, tambores... Conforme Napoleão Bonaparte dizia: "Um povo pode ter um grande exército, mas se não tiver uma banda marcial boa nunca ganhará uma guerra" (Baronow10). Pitágoras, o mestre matemático, tratava de dementes com sessões musicais.

A concepção de doença mudou no decorrer dos tempos: nas sociedades ditas primitivas era dita como maldição de bruxos, punição dos deuses ou possessão do demônio. A etiologia e o tratamento das doenças eram determinados pelo ‘homem medicinal’, responsável pela aplicação de elementos mágicos, a fim de libertar o doente de demônios e maldições. Dentre os elementos mágicos, a música ocupava um lugar preponderante nas cerimônias e, em termos de suas modalidades, dependia da natureza do espírito que invadia o corpo amaldiçoado, afetado pela doença. Nas tribos atuais, os pajés, curandeiros, xamãs, além de poções mágicas, utilizam a música como um caminho para dialogar com deuses e espíritos (Baranow11). O poder extraordinário do canto mágico ritual é citado por Souza12, como uma prática antiga, persistente nos dias atuais, que interfere nos acontecimentos naturais da vida humana, manifesto com as "benzedeiras" e "rezadores" com suas cantilenas para curar doenças e afastar cobras; com seus cantos de "pedir chuva" ou de "parar chuva"; cantos "para a lua", a música de encantamento específica para interagir com o amor; dentre tantos outros.

No séc. XVIII, apareceram os primeiros artigos sobre os efeitos da música em diferentes doenças. Em "Music Physically Considered", artigo publicado em 1789 na revista Columbia Magazine, um autor anônimo fala dos efeitos exercidos pela música na mente humana. Em 1796, o artigo "Remarks by the Cure of a Fever by Music", escrito por autor também anônimo, narra a história de um professor de música atormentado por febre alta durante semanas e que foi curado por um concerto de música. Antigas descrições dos efeitos terapêuticos da música receberam, via de regra, um sentido anedótico.

A primeira menção à ‘terapia pela música’ foi feita em 1914 pelo médico O´Neil Kane, da American Medical Association (AMA), em que relata o uso do fonógrafo para ¨acalmar e distrair pacientes¨ durante as cirurgias. Eva Vescelius, fundadora da National Therapeutic Society de New York City, previu que todo o hospital, presídio e asilo teriam, no futuro, um departamento de música. Ficou célebre o vaticinado por ela: "Quando o valor terapêutico da música for compreendido e reconhecido, ela será considerada tão necessária no tratamento de doenças quanto a água, o ar e os alimentos". (Campbell13). De fato, em 1918, a Universidade de Colúmbia, EUA, ofereceu o primeiro curso de Musicoterapia, ministrado por Margaret Anderson, musicista britânica que havia trabalhado com soldados feridos durante a Primeira Guerra Mundial. Em 1929, o Hospital da Dulce University ofereceu música aos doentes, por meio de rádios e auto-falantes.

Nas décadas de 30 e 40, o uso da música e dos sons para mascarar ou reduzir a dor em procedimentos cirúrgicos e odontológicos proliferou nos Estados Unidos. A Universidade de Chicago financiou pesquisas de larga escala, incluindo o uso da música como anestésico preparando cirurgias de úlceras pépticas, doença que não reagia bem à medicação convencional.

A moderna Musicoterapia, desenvolvida nos finais dos anos 40, progrediu a partir do uso da música para o tratamento da fadiga de combate entre soldados por ocasião da Segunda Guerra Mundial. Ao lado da penicilina, quinina ou radiação, a música teve seu lugar no leque de medicamentos do Exército. O primeiro centro de treinamento em Musicoterapia do país foi na Universidade do Kansas e na Clínica Menninger de Topeka. No período pós-guerra, hospitais, clínicas e asilos para idosos convidavam músicos locais para audições (Campbell14).

O primeiro plano de estudos em Musicoterapia nos Estados Unidos foi elaborado em 1944, em Michigan. Em 1950, foi fundada a Associação Nacional para a Terapia Musical, quando a música se torna oficialmente um instrumento terapêutico nos EUA e em alguns lugares do mundo. Na Argentina, em 1968, aconteceu a Primeira Jornada Latino-Americana de Musicoterapia. Em 1971, no Brasil, iniciaram-se cursos no Rio de Janeiro e no Paraná. Em 1980, a Universidade Federal do Rio de Janeiro deu início à prática clínica da Musicoterapia, carreira de nível superior reconhecida pelo Conselho Federal da Educação desde 1978.

Atualmente, realizam-se nos Estados Unidos, investigações qualitativas e quantitativas, publicadas pela Associação de Musicoterapia Americana (AMTA). A finalidade é explicar os diferentes efeitos que a música exerce em pessoas doentes, de diferentes idades.

Bruscia15 lembra dos problemas de ordem conceitual que surgem freqüentemente dentro dessa área do conhecimento. Um exemplo simples: caso se tente definir precisamente o que é Musicoterapia, dada a diversidade de definições existentes para esse termo, fica complicada a resposta. Bruscia apresenta nada menos que 61 definições de Musicoterapia, elaboradas a partir de critérios variados. A escolha de uma definição dentre tantas vai depender, evidentemente, dos objetivos de um trabalho, dos critérios que o pautarão, das exigências teórico-metodológicas do objeto a ser estudado. Isso significa, a nosso ver, que o ponto de vista ou a abordagem que se deseja aplicar a um determinado objeto de estudo é fator decisivo para a adoção de uma ou outra definição de Musicoterapia. Adotamos a definição da World Federation of Music Therapy, que apresenta a Musicoterapia como:

A utilização da música e/ou dos elementos musicais (som, ritmo, melodia e harmonia)... em um processo estruturado para facilitar e promover a comunicação, o relacionamento, a aprendizagem, a mobilização, a expressão e a organização (física, emocional, mental, social e cognitiva) para desenvolver potenciais e desenvolver ou recuperar funções do indivíduo, de forma que ele possa alcançar melhor integração intra- e interpessoal e, conseqüentemente, uma melhor qualidade de vida. (Bruscia16).

 

Em suma, a Musicoterapia é um ramo da ciência que se organizou como tal apenas no final do século XX, mas que está em plena expansão neste século XXI. Este campo do conhecimento, como dito, estuda os efeitos terapêuticos da música nos seres humanos.

Exprimindo sons clínicos

A flexibilidade é uma das importantes qualidades da música, podendo ser esta utilizada pelo doente em qualquer de suas várias formas: (i) escutando-a somente (maneira "passiva" o u como sujeito-paciente); (ii) tocando um instrumento (maneira "ativa" ou como sujeito-agente); (iii) tocando instrumento e escutando-o a um só tempo (maneira "ativa-passiva", como sujeito-agente/paciente), e (iv) em silêncio absoluto, apenas imaginando-a ou rememorando-a ("maneira inativa" ou de sujeito com música-interior). A música também pode ser utilizada em grupo, como forma de promover a socialização ou de forma individual, explorando a criatividade e a expressão pessoal de uma pessoa.

A importância da música em diferentes problemas neurológicos foi destacada por vários autores norte-americanos na atualidade. É exemplar nesse sentido o trabalho de Sacks: ele já afirmara, em 1999, no National Satellite Broadcast de Musicoterapia, que, no tratamento de pessoas com D.P., usava a música por esta ser um fenômeno que afeta todo o cérebro, característica importante da qual se poderia tirar muito proveito. Assim revela ele

Fiz alguns eletrocardiogramas e videotapes conjuntos que fornecem uma demonstração maravilhosa da capacidade da arte para despertar o doente de Parkinson. Tenho um fascinante registro desse tipo de um de meus doentes, que sofre de acinesia de um lado do corpo, e de frenesi no outro (qualquer medicação benéfica para um lado agrava o outro), e cujo EEG é correspondentemente assimétrico. Esse homem é um exímio pianista e organista; no momento em que ele começa a tocar, seu lado esquerdo deixa de manifestar acinesia, o lado direito pára com os tiques, a coréia, e ambos passam a funcionar em perfeita união. Simultaneamente, a gritante dicotomia, os padrões patológicos do EEG desaparecem, observando-se em seu lugar apenas a simetria e a normalidade. No momento que ele pára de tocar, ou que sua música interior cessa, decompõem-se tanto o estado clínico quanto o EEG. (Sacks17).

 

Sacks trabalha no The Institute for Music and Neurologic Function, do Beth Abrahan Hospital, no Bronx (EUA), local de um dos mais importantes e inovadores programas de Musicoterapia do país, onde milagres acontecem diariamente, conforme relato de Campbell:

Em 1991, Dr. Sacks depôs perante o Comitê Especial para o Envelhecimento do Senado dos Estados Unidos sobre o poder terapêutico da música no tratamento de problemas neurológicos. Em seu testemunho, descreveu o caso de Rosalie, uma doente do Beth Abraham com Doença de Parkinson, que permanecia paralisada, completamente imóvel, a maior parte do dia, normalmente com um dedo sobre os óculos. "Mas ela toca piano muito bem e durante horas, quando toca, os sintomas da doença desaparecem e ela tem fluência, facilidade, liberdade e normalidade", declarou Sacks ao comitê. (Campbell18).

Revelou ainda Sacks:

A música a liberta da doença por algum tempo - e não só a música, mas a imaginação da música. Rosalie conhece de cor toda a obra de Chopin e basta alguém dizer: Opus 49!, para que todo o seu corpo, sua postura e sua expressão mudem. (Campbell19).

Sacks prosseguiu seu depoimento, descrevendo como o eletroencefalograma - que em geral registra uma imobilidade semelhante à do coma - e a atividade motora da paciente tornam-se completamente normais, até mesmo quando a música está tocando apenas em sua mente! Histórias como essa são típicas e reiteradas no Beth Abraham, um hospital afiliado ao Albert Einstein College of Medicine de Nova York. Segundo Concetta M. Tomaino, diretora de Musicoterapia. "A música é a chave para o acesso ao sistema de recuperação da memória". (Campbell20).

A música em geral pode manter, com seus sistemas rítmicos e melódicos, "o sistema nervoso humano sincronizado como uma orquestra sinfônica, com diferentes ritmos, melodias e instrumentações". Tal afirmação do professor-musicista Don Campbell é, por ele, complementada com os seguintes dizeres:

Quando qualquer parte do cérebro é danificada, os ritmos naturais deste e do corpo são perturbados e os neurônios podem ser estimulados no momento errado ou simplesmente não reagir. Com freqüência, música, movimentos ou imagens externas ajudam a trazer de volta ao tom a música ‘neurológica’. A música atinge, misteriosamente, as profundezas de nosso cérebro e nosso corpo, despertando muitos sistemas inconscientes (Campbell21).

Exprimindo a Musicoterapia na D.P.

A Musicoterapia tem sido utilizada com muitos bons resultados, conforme nos revelam as pesquisas, especialmente no caso da D.P., no sentido de abrir-se para esses doentes a possibilidade de posicionar-se diante de sua doença e especialmente minimizar ou quebrar a cadeia interminável de sintomas corporais e não-corporais, atuando de forma "resiliente" e coadjuvante à medicação específica da doença, juntamente, ou muitas vezes não, a outros tratamentos. Os resultados exitosos de um tratamento com música se fazem sinalizar de imediato no doente parkinsoniano, em função das melhorias que se dão, a olhos vistos, em suas ações, que podem ser ditas de várias ordens: físicas, biológicas, psicológicas e sociais. A partir de uma mudança subjetiva bastante expressiva que ocorre no doente, este passa a conviver melhor consigo mesmo e com as demais pessoas de seu ambiente social.

A Musicoterapia auxilia a pessoa portadora da D.P. em vários sentidos: (i) a orientar-se, ainda que aspectos como tempo e espaço se lhe alterem; (ii) a relaxar e recompor-se, no caso de insegurança ou ansiedade em função da D.P.; (iii) a expressar-se melhor, no caso de problemas na oralidade ou escrita; (iv) a potencializar as funções físicas e mentais afetadas; (v) a reforçar a autonomia pessoal; (vi) por meio da música, a dar-se um reconhecimento, tornando-se sujeito de seu mal-estar ao dar-se conta de como lidar com ele, integrando, assim, corpo, mente, espírito. A música configura-se como o tratamento adequado, especialmente no caso de pessoas idosas, seja em termos de promover sua sociabilidade , seja para fazer emergir sua criatividade musical, quando elas ‘saem de si’, voltando-se ‘para fora’, para além de seus problemas.

Como estudo científico, a Musicoterapia na D.P. é dita como uma terapia auto-expressiva e de atuação precisa nas funções cognitivas. Verifica-se que a pessoa em tratamento musicoterápico é particularmente sensibilizada, ’tocada’ em sua instância psíquica a partir do meio sonoro-musical, resultado que talvez não fosse obtido rápido e decisivamente com palavras apenas. A Musicoterapia objetiva a abertura de vias outras que possam minimizar dificuldades de várias ordens, possibilitando que o indivíduo se reestruture, dado que as limitações impostas pelo processo de envelhecimento e pela D.P., bem como as decorrentes dificuldades emocionais, formam fissuras, tornando insuportável o dia-a-dia. Sob o ponto de vista da Musicoterapia, embora o tratamento em grupo, como em um Coral terapêutico, seja altamente exitoso, a pessoa doente deve ser tratada, avaliada, em sua individualidade, levando-se em conta as particularidades de cada integrante do grupo e o estágio em que se encontra a D.P. em cada um. A música pode ter efeitos benéficos nos mais variados casos patológicos, a partir de resultados comprovados nas experiências com parkinsonianos, conforme foram levadas a efeito por Sacks (2002):

De longe o melhor tratamento para suas crises, era a música, cujos efeitos eram quase sobrenaturais. Num instante, a Srta. D. estava comprimida, travada e bloqueada, ou em convulsões espasmódicas, cheia de tiques, matraqueando como uma espécie de bomba humana; no instante seguinte, com o som de música vindo de um rádio ou gramofone, desapareciam por completo todos esses fenômenos obstrutivo-explosivos, substituídos por uma feliz descontração e fluxo de movimentos, enquanto a Srta. D., repentinamente livre de seus automatismos, ´regia` sorridente a música ou se levantava e dançava a seu som. (Sacks22)

Sacks verificou que a música adequada ao doente e ouvida com prazer produz um efeito bastante produtivo nas pessoas portadoras da D.P., fazendo desaparecer, por um certo tempo, os sintomas característicos da doença. Segundo Sacks, muitas vezes só de pensar numa música já se pode obter efeitos similares, de minimizar a sintomatologia parkinsoniana:

... [a doente] era capaz de ‘tocar’ composições inteiras de Chopin, em vívidas imagens mentais. Logo que ela começava, seu eletroencefalograma (suas ondas cerebrais), altamente anormal, voltava bruscamente ao normal, enquanto seus sintomas de Parkinson sumiam. De forma igualmente abrupta, todos os sintomas voltavam logo que ela interrompia seu concerto clandestino... é fácil ver como a música repõe momentaneamente no lugar os espatifados motores dos pacientes com Parkinson. Obviamente, a música não conserta os neurônios defeituosos que causam a doença. Em vez disso, ela vence os sintomas da Parkinson, ao transportar o cérebro para um nível de integração acima do normal. A música estabelece fluxo no cérebro, enquanto ao mesmo tempo estimula e coordena as atividades do cérebro... (Sachs23).

4. Sinfonia

Compondo a orquestra: os Sujeitos desta pesquisa

Sujeito 1: Paulo José – parkinsoniano/pianista/ator/diretor de teatro/cinema; Sujeito 2: C.S. – parkinsoniano/violinista; Sujeito 3: D.M. – parkinsoniano/violonista; Sujeito 4: U.W.A.- parkinsoniano / pianista; Sujeito 5: T.F. – regente do Coral/ musicoterapeuta; Sujeito 6: D.L.D. – pianista/musicoterapeuta; Sujeito 7: M.T.B. – fonoaudióloga; Sujeito 8: S.C.F – fonoaudióloga; Sujeito 9: C.A.R.C. – fisioterapeuta; Sujeito 10: E.O. – fisioterapeuta.

Compondo a harmonia entre a ordem motor e não-motor dos sujeitos

As falas dos sujeitos, profissionais envolvidos com a D.P., são consideradas fundamentais neste trabalho porque explicitam de que forma suas atividades terapêuticas trabalham em favor daqueles que sofrem dessa doença e daqueles que , por conviver próximos aos doentes, também compartilham de seu sofrimento. As falas dos idosos-parkinsonianos analisados neste trabalho, por sua vez, revelam como é viver dentro do ‘universo da Parkinson’ e de como cada um tenta fazer do vínculo afetivo com a música sua terapia. Assim, as pessoas com D.P. enfrentam, continuamente, a cadeia de efeitos sintomáticos da D.P. que podem ser subsumidos desta forma: - problemas de voz e de fixidez da face: são feitos exercícios vocais e faciais sob orientação de fonoaudiólogo, antecedendo o canto no Coral ou outra atividade musical, para ‘soltar a voz’ e liberar os movimentos do rosto; - enrijecimento do corpo com comprometimento dos movimentos: parkinsonianos que tiveram alguma formação musical vêem, em seus exercícios em instrumento musical, aquilo que os faz levar vantagem sobre os demais doentes que nunca estudaram música; estes últimos procuram vencer o problema exercitando-se diariamente sob orientação de fisioterapeuta, antes do canto no Coral; - depressão/ansiedade/tensão: geralmente vêm como decorrência da descoberta da doença ou, posteriormente, como efeito colateral da medicação, e podem ser superadas em análise terapêutica com psicólogo ou psicanalista e ainda com a Musicoterapia; - problemas de ordem neurológica: lapsos, ‘brancos’ de memória e ‘emperramento’ dos pensamentos, decorrentes de tensão, ansiedade, depressão ou medo, podendo ocorrer ou se intensificar com a D.P.; minimizar esses problemas é possível, segundo relato dos doentes: - com rigor na administração dos remédios dirigidos à sintomatologia particular a cada doente; - poupando energias para coisas essenciais; - sendo seletivos, ou seja, aplicando sua concentração em uma determinada coisa, priorizando-a, não se preocupando com as demais à volta; - tremores nas mãos, nos pés, no corpo: os sujeitos analisados intervêm na sua parte motora corporal, afastando os ‘sintomas clássicos’ da D.P., ao recriarem, no instrumento que tocam, peças musicais que já co nhecem ou ainda ao tocarem algo novo, utilizando técnicas ou estilos que aprenderam previamente, variando, pois, a forma como eles próprios se relacionam com a música. Para muitos, o fato de cantar no Coral favorece-lhes a superação desses sintomas parkinsonianos. Outros que não lidam concretamente com a música acabam sensibilizados pelos amigos do Coral a assistir aos ensaios e apresentações, a ouvir música em suas residências, além das terapias corporais que minimizam tais tremores; - medos: um dos sujeitos, Paulo José, venceu seus medos, contando com sua força pessoal, mas principalmente – e é preciso que se frise - com o auxílio e incentivo de muitas pessoas: da psicanalista, da esposa-cineasta, do professor de música, do professor de ginástica, dos amigos, dos diretores de filmes e peças teatrais, da filha-primogênita, a atriz Bel Kutner. Tal qual o confessam os demais sujeitos... Diz o sujeito C.S.: "Eu não tenho medo" e U.W.A.: "Não, não tenho medo de morrer... Não tive medos". D.M., por sua vez, afirma também não ter medos: "Não tenho. Eu não tive medo, toquei a vida em frente, recebi tudo naturalmente...". Mas D.M., diante da pergunta sobre a morte, assume uma postura de senso comum, tentando justificar-se ao generalizar o fato questionado: "Quem não tem? não é pavor... mas quem não tem?".

Os depoimentos dos parkinsonianos revelam como a D.P. e seu tratamento por meio da música os leva a refletir sobre os efeitos de sua mudança de posição na vida: 1°) lições são aprendidas com a doença, como a de que sempre há um caminho para se superar os problemas..."Uma janela se fecha, outra se abre"; 2°) "Qualidades desenvolvem-se em nós...". É exemplar nesse sentido a fala de P.J., agora dedicado à direção de filmes, revelando-se dramaturgo e escritor...; 3°) passa-se a escutar a música interna, a música da própria natureza, cf. diz P.J. em seu depoimento; 4°) reconhece-se que a D.P. é doença como outra qualquer, que pode acometer qualquer indivíduo, em qualquer momento. Possíveis perdas na vida ou na doença não são propriamente perdas, mas ganhos... de sabedoria, ganho de expectativas positivas quanto ao presente e esperança em relação ao futuro. Fundamental é a pessoa enfrentar qualquer doença, inclusive a D.P., com força, decisão e compreensão, sendo-lhe indiferente o fato de ter sido afetada por uma doença ou por ter que ‘tourear’ a própria vida; 5°) Finalmente, Paulo José, com sua alma de artista, traduz o real de sua doença da forma mais bem humorada possível: "Tem gente que bebe demais, eu tenho Parkinson".

Recepção sonora: algumas vibrações

Do não-dito da fala das pessoas portadoras de D.P. analisadas neste estudo, pode-se depreender a capacidade que elas sempre tiveram de resistir a adversidades de várias ordens que lhes ocorreram durante a vida. Que resistência, que força é essa, de onde surge e o que ocasiona na vida desses sujeitos analisados? Na infância, na juventude e mesmo na idade adulta, grande parte das pessoas manifesta resistência ao enfrentar tudo aquilo que vai ocorrendo nas décadas que têm pela frente na vida. Se pensarmos em como caracterizar essa resistência, veremos que se trata da assunção de uma posição subjetiva e cada pessoa tem a sua, na sua própria medida. A condição, porém, é que ela tem que ser necessariamente atrelada a uma causa que a pessoa julgue valiosa, com a qual estabelece um laço, um vínculo afetivo.

O que demonstrou a fala de nossos entrevistados? Manifesta-se neles, com evidência maior, tal capacidade de resistir a problemas de várias ordens, passando a conviver, e de forma exemplar, com a D.P. Todos eles se revelam como pessoas que muito lutaram pela vida, cada um na sua especialidade e, antes que abandonar seu métier, apenas o transformaram: de caráter profissional (como o músico de orquestra ou com um trabalho-de-autor) para um caráter mais amadorístico (tocando informalmente junto aos amigos ou mesmo participando de Coral Terapêutico)... A partir da reflexão sobre os dizeres marcantes das pessoas com a D.P., implicadas que estão com os sintomas aos quais enfrentam, entende-se o que tem sido fundante para eles: a música. A música revela-se, pois, como o vínculo essencial a que estão ligados os entrevistados neste trabalho, ‘um caminho de esperança’ para minimizar os incômodos efeitos decorrentes da D.P. Os doentes de Parkinson usam as músicas e os sons que geram para se tornarem mais sensíveis a seus próprios ritmos e ciclos. Para se sentirem mais integrados, lúcidos, responsáveis por aquilo que desejam. As vivências musicais são a oportunidade de eles se posicionarem diante de sua doença, e levarem a vida com mais sentido e otimismo. Otimismo é também o que não vem faltando a certos profissionais da área médica. António Damásio, pesquisador de doenças neurológicas degenerativas, é exemplar nesse sentido. Ele acredita que muito em breve se terá – se não a cura para as doenças degenerativas – pelo menos um meio mais efetivo de preveni-las ou de estabilizá-las, e de retardar sua progressão. Os depoimentos de profissionais: – de médicos esperançosos como Damásio e Sacks e dos aqui entrevistados e daqueles ligados aos doentes de Parkinson – soam-nos em uníssono como uma sinfonia, compondo com o que os próprios parkinsonianos são unânimes em afirmar: o quanto é fundamental um programa de tratamento extensivo, multidisciplinar, nos casos da D.P. Um conjunto integrado de conhecimentos e práticas tem auxiliado as pessoas afetadas pela D.P. em muitos pontos: 1. A minimizar, de alguma forma, os sintomas mais notórios da D.P. que, de início, as amedrontam e aos familiares e amigos, por trazerem uma situação nova (como se o doente perdesse, de repente, o próprio controle de suas ações, quando sente que mãos, pés, face, movimentam-se nos tremores, nos tiques, nos impulsos...); 2. a desmistificar o valor dado a esses sintomas como característicos ou específicos da D.P.: esses sintomas podem, por um lado, nem se evidenciar em todas as pessoas portadoras da D.P. (muitas delas nunca tiveram tremores!); por outro lado, podem aparecer em muitas outras situações da vida e mesmo em outras doenças que não a D.P.; 3. a desmistificar e a encarar por outro ângulo o temido conceito ‘Doença de Parkinson’ e mesmo o de ‘velhice’. Ambos, longe de representar ‘um passo para a morte’, fazem parte do processo de envelhecimento. Ninguém se furta a ele; Portanto, quando um idoso tem D.P., deve encará-la como qualquer outro acontecimento patológico na vida: tentar retardá-lo e aprender a viver com ele, para passar esse saber a outras pessoas; talvez isso possa constituir-se seu projeto de vida no mundo, o meio de concretizar sua ‘resiliência’; 4. a sintonizar os doentes de Parkinson consigo mesmos e a integrá-los no seu meio social, familiar, de amigos, enfim, em sua comunidade. É essa concepção do sujeito na relação com a sua própria doença e com o mundo, que leva os pesquisadores atuais, da ABP, e de outros centros que se pautam por esse paradigma ao cuidar de problemas de saúde das pessoas, a investir e acreditar no convívio social dos doentes e no compartilhamento de suas experiências, por meio da música. Do presente estudo, fica o sentimento de: - que é preciso criar uma nova cultura em torno das doenças degenerativas; - que as pessoas revejam seus paradigmas acerca da vida, da saúde, do sujeito na relação com sua vida, com as outras pessoas; - que assumam o esforço ‘resiliente’ que é preciso empreender nesse campo de doenças, especialmente as de tipo idiopático como a D.P.; - e que políticas públicas de apoio se criem com o envolvimento da sociedade civil, no sentido de mudanças de conceitos, de paradigmas, de quebra de tabus e preconceitos acerca das doenças; - que lutemos por um grande investimento no campo da prevenção, tanto quanto aos tratamentos médicos, quanto aos tratamentos alternativos/complementares; - na relação com outros profissionais e com amigos, o doente se esquece de sua doença, solta-se de dentro dela; - a própria doença, deixada de ser o centro de atenção, torna-se um fato mais fácil de ser suportado. A ABP mostra esse quadro satisfatório a quem lá comparecer.

Assim, a música é vista, neste trabalho, como uma terapia ‘resiliente’ e coadjuvante à D.P. Posso dizer que a Musicoterapia é tomada, aqui, como um processo de minimização ou superação dos problemas advindos de certas doenças e, concomitantemente, de mudança de posição do sujeito na relação com sua doença e com os demais que o cercam. Tributário às categorias envolvidas, o título do presente trabalho: "A Musicoterapia como tratamento coadjuvante à Doença de Parkinson". Dizemos ‘coadjuvante’, porque o tratamento musicoterápico deve estar inserido, como dito, em um programa multidisciplinar que envolva necessariamente vários tratamentos que atuam integradamente para a melhoria de qualidade de vida do doente: medicação alopática, fisioterápica, acompanhamento fonoaudiológico, terapia ocupacional ou artística. "Resiliente’ diz, conforme sentido adotado por pesquisadores do campo da Gerontologia (Varella24; Arias25), da ‘posição de resistência’ de uma pessoa diante de circunstâncias adversas da vida, como certas doenças, que a fazem mudar, ou seja, valer-se da experiência para dar outra direção, outro sentido à vida, a sua própria e à das pessoas próximas, uma posição ‘resiliente’ diante de sua doença, de viver melhor alguns momentos da vida, de ‘esquecer ’ ou minimizar, nem que o seja por algum tempo, os efeitos da D.P. ou superá-la em definitivo. E o essencial: de forma compartilhada, seja por meio de um diálogo com o próprio instrumento musical, que leva o doente para ‘outros mundos’, seja por meio da interação com outras pessoas, no caso dos integrantes do Coral da ABP, que leva os doentes a compartilhar suas emoções e desejos. Corpo, som e palavra encontram-se imbricados no mesmo processo terapêutico, contribuindo para que o doente transfira para o seu cotidiano com familiares e comunidade, o vivenciado no setting terapêutico – no presente caso, o ambiente do Coral na ABP -, de forma equilibrada e harmoniosa. Outro fator essencial, especialmente diante de uma pessoa portadora da D.P., é a ‘escuta’. Esse sentimento que deveria ser mais exercitado, tanto da parte dos que lhe estão próximos, quanto do próprio doente que também se deve escutar. Escutar sua música interna, resgatar, enfim, o que se poderia chamar de sua ‘identidade sonora`. O ‘fazer musical’ propicia a escuta musical, no canto, especialmente em grupo, como em um Coral Terapêutico, na execução de instrumentos, na movimentação corporal e em outras atividades que envolvem som, música e movimento.

Encerramos esta recepção sonora, com o interlúdio: "O poder da música para integrar e curar... é fundamental. Ela é o mais profundo medicamento não-químico..." (Sacks26), ao qual acrescentamos nosso poslúdio: a Musicoterapia é o mais essencial dos processos terapêuticos, levando a pessoa portadora da D.P. a assumir uma posição ‘resiliente’ diante da vida, ao minimizar a sintomatologia motora e não-motora, a transformar-se, a si mesma, diante da doença, sobrepondo-se a seus efeitos, ganhando força até para estancá-la em sua progressão, além de conseguir mudanças significativas em outros companheiros. Tudo isso porque a Musicoterapia possibilita que a pessoa orquestre mente, corpo e coração, resgatando sua identidade sonoro-musical. Em suma, a Musicoterapia faz o indivíduo colocar-se na posição de maestro de sua própria vida e da vida de muitas outras pessoas...

Perguntas que ficaram, dentre outras, para serem trabalhadas numa continuidade desta investigação: O quê de ‘misterioso’ há na composição/interpretação musical que pode fazê-la sobrepor-se a outras atividades humanas em termos de efeitos benéficos no sujeito (instrumentista e ouvinte)?; esses "traços enigmáticos" - para nós -, da faixa sonora da linguagem musical ou do talento interpretativo, representariam o próprio ou o específico da linguagem musical? Esses traços é que promoveria m a mudança subjetiva do sujeito para uma posição singular e própria na relação com sua doença e com os demais que o cercam? Onde estaria a chave da renovação de uma performance musical: seria uma "batida" diferente?; seriam arranjos diferenciados?; seriam certas ressonâncias da linguagem musical que transportam a pessoa ‘para um outro mundo’, para uma outra sintonia?; seriam certos acordes ou certos ritmos que a fazem, assim como aos ouvintes, relembrar bons momentos, sonhar com novos bons momentos e assim não se centrarem em doenças, dores, problemas orgânicos, psíquicos...?; que qualidades a música faz despertar no ser humano e o transforma em um ser resistente às adversidades mais pesadas presentes no mundo contemporâneo, e transforma também outras pessoas que com esse ser se enlaçam afetivamente? E pensando mais genericamente: - Como legimitar o tratamento musicoterápico no campo da D.P., em instituições oficiais (hospitais públicos, casas de idosos etc.)?; em outras palavras: que planejamento e ações os musicoterapeutas devem encetar para que o tratamento musicoterápico tenha uma aplicabilidade massiva e extensiva em todos os locais que tenham pessoas com doenças degenerativas como a D.P.? Considerando que o musicoterapeuta, como membro de um grupo interdisciplinar de profissionais, integrados de forma harmônica, deva participar da análise dos problemas das pessoas a serem atendidas e da previsão de um tratamento global antes de desenvolver qualquer atividade musical, pergunta-se: nesse sentido, como garantir os procedimentos mais eficientes e consistentes?; e ainda: avaliações periódicas são imprescindíveis para determinar a efetividade e o avanço das técnicas musicoterapêuticas utilizadas; aqui no Brasil, isso tem sido feito, de que forma isso se faz, e como tais tratamentos podem chegar ao acesso de toda a população?

Referências Bibliográficas:

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25.Varella, AMRS. Envelhecer com desenvolvimento pessoal. São Paulo: Escuta, 2003.

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27.Sacks, O. Tempo de despertar. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

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